A GRANDE TERNURA DO MENINO DE KANDAHAR - Cap. III
Cont. capítulo III Os dois com passos intranquilos na estradinha fechada de matos rasteiros, vivenciando as diversas situações imposta no semiárido das matas dos cocais, cursam um atrás do outro na dura arte de viver no sertão. Portanto, é aqui o chão seco onde abrolha o capitão do campo, o tingui, o pau dói, pitomba de leite, aroeira, faveira de bolota e tantas outras que se alastram no sertão. É somente aqui, a extrema terra onde vive quem pode aguentar os sacrifícios das maiores necessidades que o ser humano resiste no deserto brasileiro. Sem abalizar a pobreza no vestido denso da realidade com as queimadas no ecossistema rico da caatinga. Nesse celeiro multimilionário da natureza, o homem se ver obrigado a fugir com a tristeza nos olhos do simplório abandono das ventanias da maldade ocasionadas sem futuro. Não sabendo o homem do empresariado brasileiro que a caatinga, é a mais extraordinária forma de vida já vista no planeta, talvez a única existente. Mesmo produzindo e suportando as laias tempestivas dos tempos, ainda, visualiza o que aprendeu na história dos seus antepassados ao abrigo da alimentação e plantação precária a que combate. Saciando-se com a produção vegetal e animal que provém da descrição imprópria para quem sacoleja diariamente debaixo da luz do sol. De tudo aproveita o camponês, às vezes recolhendo as folhas secas e fezes de animais para sulcar a terra e obter uma lavoura mais saudável. De todas as “disgrama” na prole do caipira, a sede é campeã em todos os lastros que percorre na vida. Dos ribeiros que demarcam a cena diária no cerrado, é como uma nuvem atravessando o céu, durando pouco a alegria que se afunda na perdição. A procura da água na terra seca é um dos princípios elementares que advém desde a colonização até os dias de hoje. Se as queimadas e o desordenado desmatamento destroem todo o habitat natural, é clarividente que o universo dos mais pobres homens que sobrevivem no meio da caatinga, está demasiadamente em constante perigo. Notoriamente, os grandes “leões brancos” do sertão que não residem neste pacato lugar, veem como sucesso financeiro, a especulação calçadas pelas desordens escrita em nossa bandeira nacional. Vão-se embora as cacimbas do riacho que secaram, e o gado a procura da água nas apontas dos córregos infecundos, adoecem com a fome e sede. Nem mesmo os relâmpagos e trovões não riscam ou não cruzam o céu azul da cor de anil, afastando os brotos daquela infausta agonia. Sobretudo, o homem afortunado que remexe com os financeiros não poupa esforços na destruição total. Cadê a ararinha azul que enfeitava as árvores do meu nordeste? Onde está o tatu bola? O veado, a preguiça, o gato maracajá, o guaxinim, a cutia? Onde estão eles? O anum branco e o preto, o bigode, sibite, galo de campina, chico preto, o papa-capim, pipira verde, cinzenta e a azul? Onde estão eles? O que fizeram com eles? Alguém me responda? Ora bolas! Todos em plena extinção afiliada nos desejos dos homens que se dizem gestores ou impulsores do desenvolvimento. Os recursos da flora e da fauna nordestina acabaram-se. E diante desse novelo sujo, vem o desmantelo das conquistas sociais sem reparação que não mede o reequilíbrio. Não há e não haverá como repor o que a natureza entregou ao homem natural. Criam-se tantos órgãos de proteção e ONGs para o nada. Certo dia, eu vi a labuta da Dona Milagres no povoado Altos, em Caxias, Estado do Maranhão, abrindo uma cacimba com seis palmos de comprido com a mão, retirando a lama, a areia e a água minguando como lágrimas. Aquela mulher sorria em coro de felicidades, construindo com palhas de babaçu a casa d’água e cercando e amarrando com crauá os talos de coco. Contou-me ainda com tristeza que perdera o jumentinho de carga que fazia o longo trajeto carregando água nas cangalhas, cujo acontecimento, ela nada pode fazer para defender a vida do animal com a presença de vários jovens da cidade que mataram sem clemência. Vejamos agora no mundo dos versos do cordel, o que diz uma das maiores letras da nossa contemporaneidade, escritor por excelência do trimilênio, poeta de grandeza lapidar. Refiro-me como um dos ícones dos pensamentos mais modernos de nossa sociedade nordestina e do Brasil. É ele, um guardião invocado em descrever alhures o que efetivamente se passa na vida de um homem do capoeirão, o ser vivo da caatinga. Desenhando o perfil do que viu, viveu e assistiu naquelas terras. Como eu sempre afirmei e reafirmo nos meus pensamentos: “Só pode falar do Nordeste quem nasceu, viveu ou esteve debaixo da estrela ardente ao meio dia”. Miguel Jacó é o nome do importante literato brasileiro, poeta nascido em Araripina, cidade do sertão de Pernambuco, Capital do gesso brasileiro, detentor de um acervo cultural inestimável de obras literárias, além de poeta, também é escritor nato, ínclito sonetista, contista, cronista e fiel prosador. E para abonar, segue o link . http://www.recantodasletras.com.br/cordel/1919093 Com zelo e sábia experiência compôs os cordéis em sextilha no modelo Redondilha Maior: O cordelista Miguel Jacó. CAATINGA
Ao homem da caatinga,
Este cenário de cipó, Abertura de cacimbas, Água lá nos cafundós, Alguns deles desanimam, De tanto ficarem só... Terminado este verão, Pode chover novamente, Com fartura ou escassa, Água volta a esta gente, O tempo que vai durar, É um mistério vigente... É existente a enganação, Da água do São Francisco, Encanamento irrisório, Para o abastecimento, Da gama de sertanejos, Em total desprovimento... Cismando nestas airosas linhas dos versos, vê-se que o sertanejo é um “cabra da peste” mesmo, com todas as atrocidades que recaem, não desiste do embate pela vida, mesmo calado é um lutador no paralelo dos padrões que os cercam. Noutro açoite que achocalha algumas pequenas cidades do nordeste, sobressai nas areias dos riachos e rios. Fazendo pontes de navegação financeira para as novas construções e empreendimentos cobiçados. Por que não buscam areia no mar, onde há volumes incalculáveis e de graça? Como se sabe a areia é fundamental na cristalização dos terrenos e das planícies, sem se falar dos leitos dos rios e riachos onde a produção de areia se torna o elemento basilar de toda a cadeia da indústria da construção civil, sem que tomem providencias arrimada. Elevando-se, portanto, como uma das atividades que mais crescem assustadoramente no meio econômico da indústria civil. Destaca-se aqui, o comércio ilegal da venda de areia nos comboios das dragagens. Que por sua vez, assolam os leitos dos rios, córregos e riachos na busca intransigente do dinheiro com bombas de sucção abrigadas sobre barcaças ou então, flutuadores. É o galho estéril que acende as lamparinas de um abastado amanhecer com a mesma e doce paisagem amarga, é a Caatinga. Imagina sempre que o meio da sobrevivência começa com as primeiras chuvas marcadas com o surgimento dos capins que abrem fendas no terreno duro e improdutivo. Dança no entendimento de que uma boa chuva é promessa de uma ótima lavoura na próxima virada. Enquanto o feijão, arroz e o milho se ardem de tantas pragas na destruição das pequenas roças. E de tudo acontece na invernada do campesino. São sempre diminutos os estudos sobre a biodiversidade da massa verde dos cocais no apogeu da caatinga, e a tendência é piorar com o fluxograma irresponsável das grandes queimadas e desmatamentos sem denotação legal que não prevalece. Todos buscam esse ouro gratuito do patrimônio biológico sem nada acrescentar ou manter vivo esse longo ecossistema. Nem mesmo as guarnições do governo não são capazes de melhorar com decência a moralidade e cultura desta cobertura que se acaba rapidamente. As novelas da degradação continuam por todo o sertão e com aprovação silenciosa, norteando o chuvisco mais pecaminoso da raça humana. O que será da aroeira, jatobá, caraíba do meu sertão no futuro? Tais árvores não guardarão mais os ninhos dos pássaros e os passarinhos não terão onde dormirem ou até mesmo se alimentarem das folhas, flores e frutos. A fonte alimentar escassa das abelhas e aves se mistura no vendaval que o próprio homem constrói. Logo, o homem do campo prepara uma caieira para retirar o carvão vegetal e preparar o alimento diário. Noutra amostragem real, o homem da cidade ora investidor, rico em influências, ele incentiva com minguados valores para que o camponês arrende suas terras com o intuito caviloso de construir fornos e alavancar enormes parcelas de dinheiro junto às siderúrgicas que jamais plantaram um hectare de árvores. Sem se falar que o senhorio continua pobre no sertão, apenas lamentando o grande negócio que não lhes serviu nem mesmo para comprar uma camisa, arcando com processos administrativos do IBAMA. E tudo isso é consumado na fabricação clandestina do carvão vegetal que viaja nas rodovias com notas frias de transporte. É esta a melhor escola da ecologia para o sertão? Como eu afirmei no conto “A faveira e o lenhador”, - http://www.shallkytton.com/visualizar.php?idt=653102 o homem de tanto derrubar árvores, se deu mal ao cortar um pé de faveira de bolota. Este não percebeu que nas galhas da faveira existia o ninho de um bem-te-vi. Ao acionar a motosserra, o pássaro desceu numa acrobacia fantástica e furou o olho do lenheiro. Assim, o extrativismo desvairado não poderá se alicerçar por toda a vida, haverá continuamente um fim. Sobejam os falatórios da crença de transformações absurdas que caem nas cisternas do pobre homem na busca de melhores confortos. E naturalmente, arrepende-se quando o verde não é o céu e nem o mar, porém, as promessas políticas que calam a fome e a miséria da região ingrata. Naquele momento, e já apreensivo, perquire o menino: - E o que a gente vai comer hoje? Incomodada com a pergunta, ela responde: - Não sei ainda, como vou saber se ainda nem abanquei em casa? Tu estás mais apressado do que eu. Atribulado com a pouca provisão alimentar, alerta o garoto: - Mãe. Lá em casa só tem arroz e azeite. A senhora fique sabendo que a minha galinha preta pôs um ovo e a tijubina comeu, era só o que faltava mesmo. A senhora exclama com o ar de dúvidas e inquirições: - Casa de ferreiro é espeto de pau mesmo. Nem dá para acreditar neste troço. Agora acabei de acreditar como tu deixaste isso acontecer? Tentando escapulir da responsabilidade, ele disse: - Mãe, eu não tenho culpa. Eu corri pelo mato para recuperar o ovo da minha galinha. Só que a tijubina foi mais rápido do que eu. Zangada, a senhora interpela: - Tu não viste a galinha cantar, não? Adonde tu estavas? Desse jeito a coisa fica preta e não serve nem para ter cuidados, deixando a minha casa “adeus dará”. Não importa Thiago, chorar a última lágrima derramada não faz sentido. Tu não botaste sentido nas coisas, agora fica sem comer, né? O garoto insatisfeito replica: - Como eu ia adivinhar que o camaleão ia pegar o ovo. Eu ainda corri atrás dele com a baladeira, só que o bicho entrou no mato feito uma fera louca. - Meu filho, a coisa já anda feia para o meu lado, e tu deixas a lagartixa comer o único ovo. Até parece que tu andaste em rastro de corno. Quando chegar lá, vá olhar o pé de açaí, talvez já esteja maduro. - Não tem açaí maduro e nem caindo, ainda estão verdinhas. Conformando o guri, agitada, disse: - Não tem nada não. Chegando lá em casa, eu dou um jeito. E vê se cala a matraca que eu estou com muita dor de cabeça. Chega por hoje! Assentindo, o boy compreendeu dizendo: -Está bom mãe. Mais se a senhora quiser, eu posso pescar no riacho uns carás para fritar e comer com arroz. Se o pé de mamão não tivesse caído com o vento doido, a gente podia comer um guisado. - Agora é tarde demais para pescar. Se não me falha a memória, eu vi quatro cajus amarelo no pé, podemos fazer um guisado de caju pra comer com arroz. Será que tu já comeu? - Eu não sou pipira e não quero guisado de caju. Se a senhora não sabe, lá tinha mais de cem pipiras com fome, deixaram cair no chão somente as castanhas. Impaciente, a mulher agoniza dizendo: - Chega! Chega de conversa fiada! Eu sei que tu ficas todo a migué quando vou à cidade. Não está vendo que eu estou com dor de cabeça. Tu falas mais que o homem da cobra. Dá um tempo! Arri égua! Thiago vê se tu botas os pés nos trilhos que eu estou avexada. - A senhora também não caminha. O meninote ao chegar num trecho da estrada mais aberta, coloca o braço direito no ombro esfalfado da mãe, acalorando as fraquezas do dia mais escabroso da sua vida. Ela transpira pelas capineiras do cercado, deixando a antiga estrada por onde passou o poeta Gonçalves Dias, ainda na barriga da mãe em situação de agonia. Na realidade, é um pequeno trecho escarpado que o singelo escritor mantém acesso aos primórdios dos tempos, mesmo enfrentando desafios de terceiros na destruição do marco histórico. Thiago é filho único de dona Maria José. Uma sertaneja com quarenta e dois anos de vivência no agreste, cingindo no labor diário da lavoura a quebra de amêndoas de babaçu para o sustento da miúda família. Costumeiramente, todos os sábados com chuva ou com sol, ela faz a troca das amêndoas por gêneros alimentícios na venda do Sebastião no bairro Teso Duro, trazendo com sacrifício as melhores lições de vida ao filho, criado sem pai. Naquele instante, o garoto abre a porta de talos, e a mulher se dirige ao quarto, arriscando esquecer as peripécias que o mundo lhe cobre de tormentas. Ansioso o filho indaga: - Mãe! Mãe! A senhora está deitada? Não vai acender o fogo? O que a senhora sente? A mulher abaixa a varanda da rede e responde: - Ô meu filho! Estou um pouco enfadada dessa estrada, são dores por todo o meu corpo. Por favor! Me deixe pelo menos descansar em paz nesta rede. O menino abarcou e disse segurando as varas de anzóis: - Sim, então, eu vou pescar no Riacho dos Cocos. Quando eu voltar, eu acendo o fogo e cozinho o arroz. Tá legal? - Faça isso meu filho que você não perde em nada. Disse ela ainda com a mente arrasada pelos acontecimentos na estrada. Naquele andamento, o guri desceu apressado com as varas de anzóis, fisgando na água do pequeno Riacho dos Cocos, enquanto que os peixes roubavam as minhocas, o que deixava furioso. Atento com as duas varas, ele não conseguia pescar nenhum peixe, fato que deixava angustiado. Já era tarde, momento em que capturou duas piabas pequenas. Diante de tantas esperas, deste modo, colocou no cofo de palha de babaçu e rumou para casa. Prontamente, indagou com um olhar de surpresa. - Mãe! Eu tenho certeza que a senhora não está bem. O que está sentindo? Ela nega, dizendo: -Não. Não... Eu não estou sentindo nada. Acenda o fogo sem demora. Pegou muitos peixes? - Não. Os peixes estavam espertos demais. Só peguei duas piabinhas. Sei que não dá para almoçar com fartura pelo menos podemos sentir o gosto do peixe no arroz. - Não se afobe meu filho. Não há problema. É mais fácil dois miúdos peixinhos na mão do que milhares na água. De qualquer forma, nós temos ainda o que comer. Acenda o fogo que eu preparo o arroz. -Está bom, mãe. Não demora, o infante prepara os cavacos de candeia, e lança entre as três pedras do fogareiro junto ao chão, acendendo com pedaços de jornal velho. De imediato, sobem as labaredas, e o menino chama por sua mãe para lavar o arroz enquanto este coloca a panela de ferro negra com água. Após essa interferência, eles almoçam os minúsculos peixinhos fritos com o arroz esbranquiçado à mesa. Satisfeito, Thiago indaga: - Mãe! Quando as minhas aulas começam? Com o olhar abatido, ela responde. - Não sei não filho. Com esse negócio de troca-troca de professora, isso ainda vai dá piolho em cabeça de gente. - Por que mãe? E o que está faltando? - Está faltando tudo. Não sei como eles querem educar os filhos da gente sem pagar a professora. Não há quem aguente trabalhar um mês, dois meses e nada receber. Ela precisa de transporte, tirar do bolso dela, é impossível se manter em pé. É por justo motivo que ninguém quer ensinar aqui na Sambaíba, o fim do mundo. Perseverou o menino, investigando: - Mãe. Eu já perdi dois anos por falta de professora. Quero saber como vai ser este ano. Por que a gente não vai para outro lugar? Aqui no sertão tudo é difícil até água para se beber. Não dando azo as opiniões do menino, ela retruca: - Como posso ir para outro lugar? Tu estás doido menino! Tem bosta no juízo? Tem? Eu nasci e me criei aqui na Sambaíba. Eu não vou sai pelo mundo afora sem bandas. Tu num sabe de nada mesmo. O mundo lá fora está cheio de gente perversa, invejosa, ladrões e traiçoeiras. Aqui pelo menos nós temos o coco de graça, criações e a roça para trabalhar. Lá na cidade tudo é diferente, até para bufar tem que pagar. Insiste o garoto: - Eu quero estudar este ano. Eu não posso ficar a vida toda nesse negócio de quebrar coco e fazer roça. Se a senhora não pensa bem, eu quero um dia ser alguém e muito rico. Olha mãe, ter uma casa bonita com luz elétrica e água encanada com banheiro, não é luxo. Talvez seja um direito para quem trabalha e ganha um bom salário. É tudo, tudo isso que eu pretendo fazer. Com um suspiro, aliviou a cabeça para um lado, e disse: - Tu estás sonhando muito menino. Tu me fazes rir sem querer e me faz chorar sem uma gota. Sei que o dia não está para peixe muito menos para gavião procurando pinto no capoeirão. Mais tudo isso é ilusão de pobre, é doce que ele nunca vai comer na mesa. Meu filho, pobre só serve para apanhar na cara e não tem vergonha de levar outra surra. Pois, ele vive de teimoso, é um “cabra da peste e abestado”, às vezes, é doido varrido. Importunou Thiago, contradizendo: - Não mãe. Eu não vou viver toda a minha vida na enxada. Eu quero trabalhar e ter uma profissão boa. Esse sobe e desce de preço do babaçu é palhaçada que fazem com a gente. Eu quero mudar a nossa vida, mais ao mesmo tempo, eu fico triste quando não se tem nem o pó de café. É uma lástima viver assim. Não dando ostentação aos desejos do garoto, ela reprova falando: - Sabe de uma coisa. Esse negócio de ir para cidade não passa de imaginação e burrice. Além de pagar aluguel caro de casa, luz e água tem que ter um bom emprego meu filho. E o que tu queres não dá certo. É melhor o pouco com a graça de Deus do que o muito com o diabo. O dia que melhorar as coisas na boa safra, tudo muda. Sorrindo, o garoto complementa: - Mais eu vou trabalhar. Já pensou mãe, eu trabalhando num banco, e a senhora me vendo lá de fora. Eu sorrindo e atendendo as pessoas. Poxa! Ia ser muito bacana. Todo mês, eu lhe dava o meu dinheiro, nós íamos morar na cidade, despreocupado da vida sem ter que ir buscar água no Riacho dos Cocos ou no Rio Itapecuru. Eu não gosto disso, andar léguas e léguas atrás de água. Insatisfeita, ela disse: - Pare com esta besteira, filho! Tu estás sonhando alto demais, cuidado para não cair da égua e se machucar. Não se pode fazer tudo de uma vez quando se tem apenas uma cabeça e dois braços e duas pernas. Está maluco, menino! Onde já se viu isso. Contrariando, diz o miúdo: - Eu não entendo a senhora. Só por que eu falei isso, é sonhar demais? Estou falando sério, mãe! Certa vez a professora disse na sala de aula que um poeta de Caxias afirmou que sonhar é voar para outros continentes. Por isso, eu vou sonhar sempre, sempre, sempre. Um dia, ainda vou conhecer este poeta de Caxias que a professora tanto fala nele. Desgostando o filho, ela disse: - Outra vez, parece ser mais “abestado” mesmo! Eu não sei ler e nem escrever, sou mesmo uma matuta sertaneja para não te entender. Vê se eu tenho cordão de ouro no pescoço? Pobre é pobre e tem que se contentar com o que tem. Tu bem sabes que trabalhamos o dia inteiro debaixo do sol ou debaixo de chuva. Temos que olhar o que está em nossa volta. Nossa força é essa que possuo nos braços e pernas. Não adianta fazer os que os outros fazem. Sabe de uma coisa, esse poeta de Caxias não passa de um idealista. O meninote tenta explicar, dizendo: - Mãe! As coisas não são bem assim. Lá na cidade tem gente mais pobre do que nós. E todos vivem, dormem, tomam café, almoçam, jantam, estudam e trabalham. Eu acho que sonhar não é loucura, é um passeio muito bom. Eu gosto de sonhar muito, mãe. Já zangada, ela diz: - Tu estás querendo me entupir com as lorotas? Eu não nasci hoje. Pode ter rico e pobre, e eu com isso? E daí? Não me importo com os problemas dos outros desde que não me atingem. Apesar de que não tenho gado e nem bode, sou satisfeita aqui na Sambaíba. Para eu ser uma mulher de verdade, não preciso de nenhuma beleza muito menos de um beiço pintado. E digo para quem quiser ouvir, sou mulher do capoeirão e quando não tenho pó de café, eu faço o meu café da borra do coco babaçu. Quem quiser que se vire! Eu vivo assim, na fé em Deus do meu pai Criador. Retrucando, ele disse: - A senhora só sabe falar em pobreza de um mundo pequeno no mato onde a gente se esconde, não sabe para onde mais olhar. Estou cansando de viver no mato. Eu quero ser gente e dá alguma coisa para a senhora com o meu trabalho. Rebatendo, ela disse: - Menino, tu deixa de conversa à toa. Mais o que vou contar além de minhas mágoas do sertão? Vou falar que vivo toda bronzeada e sentada na porta ou com a cara pintada na janela? Eu tenho mais o que fazer. Se hoje eu não tenho o açúcar para adoçar o meu café, me sinto alegre do mesmo jeito que estive ontem. Agora, tu achas que eu vou chorar com a primeira bordoada? Amenizando a mãe, disse ele: - Não fale assim, mãe. Aqui não sabemos de nada do que acontece lá fora ou no mundo. Ficamos completamente isolados das pessoas da cidade. A senhora sabe que nenhum carro entrou aqui, e nunca vai entrar na Sambaíba. Rechaçando, disse: - Me diga uma coisa Thiago. Tu agora viraste jornalista para ficar sabendo do que acontece no mundo? Olha! Na Sambaíba não foi feita para entrada e saída de carro. Entrar aqui para quê? Ver o quê? Vem fazer o quê nesta vereda menino? Estás sonhando em comprar um? Tu deixas de sonhar demais. Insatisfeito, responde o garoto: - Viu como é a senhora? Não estou falando nada disso. De tudo o que eu falo a senhora é do contra. - Quando tu cresceres e ficares homem, aí eu não falo mais nada. E neste dia, tu já és dono do próprio nariz e pode ir até pra China quanto mais andar no mundo de meu Deus. Tu leva jeito de uma boa-pinta, menino. Próximo - Capitulo IV 17: horas – 23 janeiros 2003 LAGOA DO PORTO – NOTÍCIA EM PRIMEIRA MÃO. E no capítulo XXIII - Estaremos em Kandahar no Afeganistão. breve! ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 09/11/2013
Alterado em 09/11/2013 Copyright © 2013. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |