ERASMO SHALLKYTTON

O POETA É O SENHOR DE TODAS AS EXALTAÇÕES HUMANAS

Textos

A GRANDE TERNURA DO MENINO DE KANDAHAR - Cap. IV


LAGOA DO PORTO – NOTÍCIA EM PRIMEIRA MÃO.

 17:00 horas -10 de janeiro de 2003

 
Há quase oitocentos metros da localidade Sambaíba, descendo pela velha estrada carroçal paralela com o rio Itapecuru, sentido Caxias à cidade de Aldeias Altas, um homem abordava na moradia conhecida por todos como “Lagoa do Porto”. No passado, este lugarejo tinha como habitantes os índios Guanaré utilizavam a boa terra para a pequena lavoura com mandioca, macaxeira (aipim) e outros produtos alimentícios, além das frutas, raízes, palmito extraído da palmeira de babaçu, cocos de palmeiras e diversas folhas. Ao centro do pequeno povoado, reside com a família o agricultor, atendendo pelo nome de Zé da Farinha, caboclo forte, tez ruiva, olhos azuis, cearense do município de Pedra Branca. Ele já beirando a idade de cinquenta anos, cabelos lisos naufragando na brancura dos velhos tempos, possuindo uma jovialidade no seu meio social.
 
Zé da Farinha é casado com a senhora Raimunda, mulher com mais de quarenta anos, ainda com belas qualidades na face. Ela é sempre voluntariosa, amiga e sorridente, com sua altura mediana, longos cabelos pretos, deslizando na epiderme clara que parecem uma cauda de cavalo. Dessa pomposa união, nasceram seis filhos. A mais velha contava com dezesseis anos, moça bonita, pernas lisonjeadas, de cor branca, cabelos longos e amarelados, olhos azuis com sobrancelhas grossas, medindo mais de um metro e sessenta e oito centímetros de altura, com a boca carnuda e lábios finos, franja penteada à frente. Seu nome tem alguma coisa a ver com a estrela solar, pois, se tratava de Solange, a deusinha do Zé da Farinha.
 
Na segunda escala familiar, tem o nome a menina Rose com quatorze anos, Mário com treze, Gilberto com dez, Clara com oito, Fábio com nove e Julieta com sete. Uma verdadeira família tradicional do sertão da Pedra Branca, originária do local bastante popular por “Tabuleiro da Peruca”. Contava o mesmo que o seu avô era um grande vaqueiro na região e juntava com outros da profissão os encontros do fim da tarde junto à pedra de entretom alva com determinadas formas e dimensões, evidenciando profundo orgulho, o pedrabranquense.
 
Na mesma direção da residência, ali estava a Casa da Farinha, um ponto de transformação química centenário com origens indígenas até hoje em prática, exercendo um predominante papel no meio social e alimentar. Constituída de uma grande casa coberta de palha de babaçu, e chão de barro batido de cor amarelo, sem paredes, alojava várias ferramentas de trabalho caseiro na fabricação da farinha. Com o plantio da mandioca na roça naquela localidade, Zé da Farinha vem mantendo a grande família a pós a safra da roça com a venda da farinha. Exercendo uma atividade debaixo do sol, ele extrai da terra a raiz da mandioca para o preparo da farinha. Por certo, é uma produção sacrificante e rica em detalhes, e absorvendo na área trabalhista todos os membros da família e vizinhos sem haver qualquer custo financeiro.
 
Na cadeia evolutiva já bastante atrasada, uma camada de pessoas pobres, desapossados do nobre conhecimento cultural e abrangente na educação, ali, forma uma interação social justa no aprendizado sem qualquer erro.
 
No mundo da atualidade, estas pessoas se distanciam dos acontecimentos que giram o universo dos homens, por outro lado, reconhecem a presente situação colocada no cateto das dificuldades com o meio lá fora. Alguns conseguem modificar a aquarela dos bons dias com inovações e providas pela coragem. Talvez, o homem do campo desprovido do saber intelectual não fica fora do sistema. Estes são riquíssimos em crenças, sabedorias populares e tradições que não se apagam na esfera doméstica e popular da região. Superando diferenças pessoais e temporais, o campesino é a flor duradoura da pele que não morre por preguiça, assim, como acorda rotineiramente com o sol das às manhãs. A conversa e os diálogos com os vizinhos perfazem a rede social mais atualizada que se possa imaginar. Eu os chamo de Jornal Sertanejo Interativo, onde as pessoas não precisam pagar para manter contato com as notícias que circulam a cidade, o Brasil e algumas evidências do Mundo.
 
É na Casa de Farinha, onde os falatórios tomam rumos ignorados na comunicação, há sempre uma ideia ou um pensamento de sucessões de casos, verbalizando a extração dos fatos, conflitos e demais contradições. É um povo habituado com tudo o que aparece de bom ou ruim em suas vidas sem nada a reclamar. Abrigando no conteúdo sentimental suas opiniões, identidades e comportamento com as diversas situações. Neste convívio de verdadeiros amigos, eles apadrinham as almas no cavalo das alegrias, percorrendo léguas e léguas no contato de agradecimentos e rezas com outros moradores adjacentes. Cada um possui uma grande novela para descrever a sua vida, as descrenças, o futuro e as promessas.
 
Pois, fazer farinha é uma dádiva que restou dos antepassados no modo artesanal, passando de pai para os filhos numa cadeia produtiva com boa economia doméstica. Mais de vinte mulheres sentadas descascam a mandioca, elas cantam a solidão, o amor, a tristeza e a alegria em melodias do próprio sertão. Será sempre festiva a semana que abrolha no lugarejo Lagoa do Porto quando se espalha a notícia da farinhada na casa do Zé da Farinha. A dura arte de colher na roça a mandioca, o manuseio do descascamento, raspagem, lavagem para pubar a massa até apodrecer, esmagamento, prensagem, peneiramento, torração e resfriamento. Tudo se transforma entre os velhos, homens, mulheres, jovens e crianças no processo de fabricação de farinha de mandioca.
 
Dentre estas atividades arcaicas, há um relevante perigo para quem não conhece os caminhos desse processo, tais como tirar a água malévola da mandioca (ácido cianídrico). A prensa de madeira tirada na lua minguante geme, geme entrando na rosca de madeira com a massa ralada na caixa fechada. No centro da casa, vários artefatos espalhados como o tacho, pilão, mão de pilão, roda de madeira, cordas, vários bancos de pau, um caititu, coxos de madeira, aparador de massas, prensa, peneira, coxo de peneirar, cuias e outros utensílios. Sem falar que os homens aguardam a sobra da água da pubagem que será oportunamente utilizada como bebida alcoólica. Com todo o processo de decantação, a festa, ainda permanece com a goma entre as exultações da tapioca, beiju de coco e diversos bolos.
 
Enquanto a prensa de mandioca estava repleta de massa, caia pelos furos laterais da prensa de madeira, a água que iria se transformar em goma. As mulheres cantavam os versos do poeta caxiense com muitas alegrias nos dias da farinhada. link: http://www.shallkytton.com/visualizar.php?idt=4575286
 
Na prensa da mandioca
 
Roda, roda, ó minha gente!
Quero vê a geringonça triturar,
A raiz da mandioca é da gente,
Farinhada é gostosa e vai no dente.
 
Roda, roda minha gente!
Não deixa o tempo passar,
Segura a corda no eixo,
E broca sem paixão até danar.
 
Raspa, raspa minha nega,
Lava, lava minha preta,
A farinha de mandioca,
Pra gente ter tapioca.
 
Roda roda ó minha gente!
A prensa de mandioca,
Separa a massa da mandioca,
Diz logo Maria que é tapioca.
 
Naquela tarde, o sol já se escondia entre as palhas de babaçu e o calendário ainda marcava o dia 10 de janeiro de 2003. Naquele instante, Zé da Farinha riscava os pés no terreiro, apressado e nervoso, abriu a porteira, chamando pelo nome da esposa, em bom-tom.
 
- Ô Raimunda! Raimunda!
 
A mulher esbravejou do fundo da cozinha, indagando:
 
- O que foi marido? O que aconteceu?
 
Indignado, inquire:
 
- Você sabe o que aconteceu na estrada hoje?
 
Surpresa, ela diz:
 
- Eu não sei de nada. Ainda não vi hoje um vivente daquelas bandas. Conta-me logo!
 
Zé da Farinha, explica:
 
- Mulher, quando eu desci do caminhão do Alfredo, lá na entrada da rodagem. Parece coisa de outro mundo, loucura total e absurda.
 
Impressionada, segurando na mão a vassoura de palha, ela pesquisa:
 
- Mais o que aconteceu, homem?
 
- Eu vi com os meus olhos três carros da polícia debaixo do pau pombo e muitos homens armados. Por tudo isso me assustou. Mulher! Eu nunca vi polícia nesse pedaço de chão. É incrível tudo o que assistir.
 
Com as gemas arregaladas, ela perguntou:
 
- Mais o que foi marido?
 
- Eu me vi numa sinuca e todo enrascado ao observar um homem esfolado nas galhas do pau pombo.
 
Espantada, ela indagou com um ar revoltado:
 
- Não me diga uma disgrama dessas. E quem é esse homem? Fale logo!
 
- Raimunda, eu não sei quem é. Assim como ninguém soube contar o que aconteceu. O compadre Nonato Lucas, esposo da comadre Das Neves estava lá comigo. Eu confesso que jamais vi em toda a minha vida um ato tão desumano. Mulher, os matadores retiraram o couro do negro, esfolando, e ainda dependuraram num pau pombo. Do lado debaixo, eu vi o sangue pingando na piçarra. Foi um crime bárbaro. Olha que já vi muita gente matar outro, mais daquele jeito é o primeiro que vejo.
 
Com uma mão segurando a vassoura e outro no queixo, ela falou:
 
- Nossa! Meu Deus! Que perversidade! Eu nem gosto de vê essas coisas, eu tonta e nervosa.
 
Concluiu o Zé Farinha à esposa.
 
- Sabe mulher, eu ainda não passei na casa do Nonato Lucas para saber mais detalhes. Talvez, ele saiba de mais alguma coisa. O que fizeram com aquele negro me encheram de revolta. Além de tudo, parece que assassinaram com vários tiros e depois, esfolaram o seu coro em pedaços com pura vingança.
 
Sensibilizada, ela averiguou:
 
- E o que terá feito esse homem, meu Deus? Eu fico triste com tudo isso. A vida humana não tem valor para uma brutalidade desse jeito.
 
Conclui o esposo, contando:
 
- Raimunda! Cá entre nós. Eu acho que é coisa da pesada que este negro fez. Não haveria motivos para tanto ódio com a morte que teve. Agora, o menino que mora no Kalengue, disse ter ouvido passar na pista muitos carros e a irmã dele notou a presença de vários homens.
 
- E a polícia o que fez?
 
Concluiu dizendo
 
- Como sempre. Nada, nada. Eu ouvi do Filipe da Mundoca que a polícia estava investigando sobre a cabeça amputada.  Ora bolas! Se não havia a cabeça no corpo, nem as tripas e nem a pinta. O caso é um quebra-cabeça para se chegar ao fim.
 
A mulher surpresa, ainda exclama com as mãos na cabeça:
 
- Meu Deus! Como pode acontecer uma desgraça dessas bem perto da gente. É muita falta de Deus no coração. Quem fez um negócio desses não é humano, é um trapo de gente. Eu nem acho palavras para medir essa desgraça.
 
Aduz o Zé da Farinha:
 
- As autoridades são sempre assim para os mais fracos. Se fosse um filho de rico, haveria macacos fardados para cima e para baixo. Talvez, na maior caçada para pegar este matador. Logo, logo tudo viria à tona. Sabes de uma coisa. Eu tenho certeza que teve gente que assistiu e vai abri o jogo. Podes crer no que falo mulher.
 
Surpresa, ela pergunta:
 
- Será que alguém presenciou?
 
- Deixa de ser boba, mulher.  Não há nada nesse mundo que se faça e que ninguém saiba. É claro que alguém observou tudo, e a bronca é pesada. As pessoas têm medo de se envolver com o que não deve.
 
Ouvindo o marido, ela convida para o almoço:
 
- Vem almoçar Zé.
 
- Não estou com fome.
 
Debaixo do pé de jenipapeiro, com largas sombras no terreiro, as meninas conversavam umas com as outras, remodelando a simplicidade vivida, brincando e dando gargalhadas que se perdiam no meio da caatinga. Momento em que se aproxima um senhor de aproximadamente uns 45 anos, indagando sobre o Zé da Farinha. Informado pela filha mais velha, o senhor se dirige à porta da casa ficando no alambrado, quando avizinha Zé da Farinha abrindo a cancela.
 
Cumprimentou e indagou o senhor numa calça de linho branco e camisa de matiz azul:
 
- E aí compadre Zé? Quais as novas?
 
- Tudo bem e tudo mal. Não é assim mesmo que dizem? E o que você tem feito ultimamente? Não quer almoçar um bocadinho compadre Macedo?
 
Disse o senhor conhecido no povoado como Macedo:
 
- Não. Obrigado. Eu já almocei um bode com leite de coco na cidade. E o que eu sei é o mesmo que você sabe por aqui.
 
Argumentando, disse Zé da Farinha:
 
- Eu tenho muitas novidades para lhe contar, compadre. E cada uma mais cabeluda que a outra. Não está sabendo do crime que houve pela manhã na beira da estrada?
 
Explicou o senhor, deduzindo:
 
- Sim. Eu fiquei sabendo. É lamentável que tudo tenha ocorrido na Sambaíba e que assassinaram o rapaz com muita crueldade. É realmente penoso. Eu não posso confirmar. Portanto, muitos dizem que os pistoleiros mataram o homem e esfolaram o seu corpo na árvore. O pior é que ninguém conhece o tal cidadão. Não é dessas bandas.
 
Disse Zé da Farinha, sentado ao lado do senhor Macedo:
 
- Então, compadre, você está por dentro do assunto. Conte-me o que sabe?
 
Elucidou o caso, o compadre Macedo, dizendo:
 
- Compadre, tudo isso é vingança. Eu estava lá no bairro Cangalheiro comprando um milho. E fui tomar um café no bar do Ribinha. Na oportunidade, eu ouvi uma conversa de dois homens falando que certo fazendeiro passou no bar com um negro amarrado na carroceria.
 
Curioso e surpreso, indaga Zé da Farinha:
 
- Foi mesmo compadre? Conte-me logo isso. Mais que desgraceira! Isso é o começo que já se escancara os sinais do fim do mundo. Meu Deus!
 
Continuou o senhor Macedo, falando:
 
- Disse o rapazinho do bar que eles levaram para a cidade de Timon e que por lá iam soltar o negro no meio do mato. Com tantas dúvidas, eu entrei na conversa deles, procurando saber o motivo. Um deles me afirmou que estava bebendo umas pingas com um dos pistoleiros, tendo este dito que a prisão do negro se devia a furto de coco babaçu na fazendo. Sabe compadre, e encurtando o assunto, o cara era um negro de rosto fino, magro e vestia um calção e uma camisa azul. E a sua cabeça estava coberta com um saco, o que impedia de se vê o rosto. Achei tudo isso estranho ao chegar na Sambaíba, pois se tratava da mesma pessoa que estava esfolado na árvore. Eu não acreditei nessa história maluca, mas, as evidências dão crédito para isso. É lamentável!
 
Deslumbrado, disse Zé da Farinha:
 
- É esse homem mesmo! Marrapá! Só por causa do coco babaçu, eles eliminaram o pobre coitado. Esse mundo de meu Deus está confuso e mudado. Não me mesmo? As pessoas fazem o trem sair de linha a qualquer hora. Nem sei o que dizer mais.
 
Complementou o senhor Macedo segurando o chapéu de palha
 
- Sim. O fazendeiro é um leão ensanguentado. Assim, eu ouvi dizer que ele tem o costume de mandar assassinar quem pega o coco no chão em suas fazendas. O homem é mau e a polícia é com ele direto.
 
Confirmou Zé da Farinha, ainda admirado:
 
- Uma vez que, a sua conversa é acertada com a mesma que se espalha por aqui. Meu compadre Macedo,  eles não foram para Timon coisa alguma. Fizeram a carnificina aqui mesmo perto da gente. Eu lhe garanto com certeza, se eu visse uma covardia dessas, eu não sei o que seria de mim nestas horas.
 
- É duro engolir um troço desses. Argumentou o senhor Macedo. E falar destas coisas suas, é penoso demais. Não dá para engolir sem compreender a verdade.
 
Disse Zé da Farinha num tom forte:
 
- Eu não gosto de vê tamanha covardia em minha frente. Sei lá. Poderia ser o capeta armado dos pés aos dentes. Eu não ia me estremecer de medo. De maneira nenhuma. Apesar de que o crime não compensa, mais dava para evitar esse assassinato.
 
- Compadre! Eu também fico doente em senti esta malvadeza. A conversa está boa, e tenho que ir embora. Depois, conversamos mais. Ainda tenho que tirar um capim na beira do rio. Até mais comadre Raimunda e compadre Zé.
 
- Está muito cedo, homem. Converse mais. Disse Zé da Farinha:
 
- Até logo compadre Macedo, dê lembranças para a comadre Salete.

Disse Raimunda.

 
- Sim. Obrigado. Eu tenho que ir já está anoitecendo. Até mais!
 
Entre os atalhos que levam até o lugarejo Lagoa do Porto, surgia entre as ramas de mofumbo, o menino Thiago, morador da Sambaíba, segurando uma baladeira e dois cadernos. Observando as filhas do Zé da Farinha debaixo do jenipapeiro, o guri se aproxima, investigando:
 
- E aí Solange? Minha princesa bonita! Quais as novidades? E o que você tem feito? Há dias que eu não lhe vejo?
 
- Oi Thiago! Estou sempre aqui sem fazer nada mesmo. Eu fico surpresa com você andando nas estradas à noite. E as aulas quando começam?
 
- Minha mãe me falou que as aulas começam em Março. Olá Rose! Cadê o Mário, Gilberto e o resto da turma?
 
- Estavam todos aqui. Se eles não estão na sala, estão na Casa de Farinha.
 
- Ei Thiago! Presta atenção! Você está sabendo que hoje mataram um homem na estrada? Disse Solange entre as irmãs que estavam sentadas.
 
- Não. Não sei de nada. Conta-me como foi isso.
 
- Nós não sabemos detalhes dessa conversa. O papai não permitiu a nossa presença. Mas, eu ouvi o senhor Macedo contar com particularidades como assassinaram o homem. A Rose que é danada ouviu tudo, tudo mesmo.
 
- Conte-me Rose. O que aconteceu por lá?
 
- Rapaz! É muito escabroso! Eu ouvi o senhor Macedo contando para o papai. Veja só! Foi horrível a morte do negro. Tanto é verdade, que os homicidas prenderam no alto do pau pombo o corpo do homem com a pele descarnada. Logo, bem ali na entrada da Sambaíba.
 
- E quem foi?
 
- Ninguém sabe Thiago. Foi morte encomendada, só sendo mesmo. Eu nunca imaginei um troço desses por aqui, me dá medo.
 
Thiago pergunta:
 
- E que horas foi isso?
 
- Foi no horário da manhã.
 
Desconfiado, Thiago argumenta dizendo:
 
- Se foi na parte da manhã, eu acho que é conversa fiada. É muita lorota para o meu gosto. A minha mãe foi vender o coco e não me falou nada disso.
 
Perguntou Solange.
 
- Quem? A dona Maria José?
 
- Sim. Ela foi vender o coco e fazer as compras da semana. E não me disse nada. Nada mesmo. É por isso que eu entendo que é mentira.
 
Contrariando a conversa do menino, Rose diz com desabafo:
 
- Eu não te entendo Thiago. Você acha que o meu pai e o senhor Macedo estão mentindo?
 
- Não, de maneira alguma. Eu só pensei no motivo da minha mãe não ter falado sobre o assunto.
 
- Que nada Thiago. Ela não quis foi falar para você. Se a tua mãe veio da cidade, ela também viu o movimento na entrada da Sambaíba. Todas as pessoas que atravessaram a estrada com destino à cidade de Caxias testemunharam o negro no pau pombo esfolado com as tripas no chão.
 
- Minha amiga Rose, do jeito que as coisas estão indo, eu vou embora para casa. Até mais.
 
- Espere Thiago. Está com medo?
Já está tarde e a mãe me espera. Até logo! Depois eu volto com mais calma.
 
Na residência da senhora Das Neves - Sambaíba
 
Enquanto isso, na varanda da casa da dona Das Neves, várias pessoas comentavam o assunto. Não se afastando em nenhum instante o drama que despejou nas terras da Sambaíba, a marginalidade do mais ato brutal e arquivado nas gavetas administrativa do mundo policial. Não muito distante da varanda da casa, estava o senhor Manelito com pressa em saber das novidades. O proprietário senhor Nonato Lucas, aproxima-se e ouve o comentário do vizinho:
 
- Está vendo Nonato Lucas como são os caras. Eles vêm matar um homem quase em nossas portas. E até agora ninguém sabe contar quem foi.
 
De imediato, o senhor Nonato Lucas disse:
 
- Quer saber mesmo da verdade? Seja um policial. Aí, você vai saber de tudo direitinho. Eu fico zangado com o povo que só quer saber, saber e divulgar. Na hora de falar a verdade ninguém vai lá. Ninguém tem a coragem de dizer que viu. E se viu faz de conta que nada assistiu. Esse povo é covarde mesmo. Tenho ódio de tudo isso.
 
Manelito diz:
 
- É verdade. Neste caso, e como nos outros assassinatos, a polícia dá cobertura. Faz de conta que nada conhece. Esses homens mandam na polícia, são afortunados do poder. A zanga deles é com a morte, mandam assassinar com resposta. Se tiver dinheiro, é o bastante para resolver o seu problema. Meu amigo, a mola do mundo é o dinheiro e o poder. Com o dinheiro você faz morada até na lua e no inferno. Compra tudo o que tiver na terra. Uma coisa eu lhe digo seu Nonato. Poder é poder, pobre é pobre sem ter o quê.
 
A esposa do Nonato Lucas, dona Das Neves que tudo ouvia, disse:
 
- Isso tudo é uma podridão para nós. Há tantos lugares por aí, e os bandidos só acharam esse caminho para fazer essa malvadeza. O mundo está derrotado pela ganância e estupidez. Eu não sei para onde vai tudo isso.
 
Tonico, um trabalhador braçal e residente no lugarejo “Cumprida” na beira do rio Itapecuru, abarrancado no tamborete de couro com as compras da semana postas no chão. Argumenta com o Nonato Lucas.
 
- Seu Nonato. Isso era caso da televisão está filmando tudo para o Jornal Nacional. Ninguém fotografou o homem dependurado com o couro esfolado feito uma saia. Isso ninguém se preocupou. E o tempo vai apagar essas imagens de nossas mentes, assim, eu creio. Mais se houvesse alguém na hora para fotografar, o jornal de Teresina ia vender muito. O senhor sabe que tenho viajado muito pelo sul, porém, um crime desses, eu nunca vi ou tomei conhecimento.
 
Concluiu dona Das Neves:
 
- É demais. Onde já se viu umas coisas dessas. Esses criminosos já são experientes em matar gente. Podes crer. Está vendo só que é demais um negócio desses. Eu fico com raiva, é que a polícia não faz nada. Nada mesmo!
 
Nesse momento, Nonato Lucas interfere, dizendo:
 
- Quando a polícia chegou ao local, não havia ninguém. Eles cortaram a corda e desceram os pedaços de carne. E nenhuma pessoa observou além de mim. Ainda pouco, passou o Macedo, e me disse que ouviu falar que é vingança por causa do coco babaçu. O que não dá para entender é como eles vieram eliminar o homem em nossas terras. Dizem que é do povoado Baú, possivelmente o morto também. Acontece que tiraram a cara do negro para não ser reconhecido. Quem mora na localidade do Baú, sabe quem desapareceu por lá, já que a fazenda e os pistoleiros são da banda de lá.
 
Manelito intervém, passando a mão na cabeça:
 
- Rapaz, tu sabe que aquilo foi demais. Já está esquentando a minha cabeça. Graças ao bom Deus, nenhum menino lá de casa viu essa cena horrível. Onde é que você estava Tonico? Diz-me onde se meteu?
 
- Eu estava em casa e fui à roça dá uma capinada, mais voltei logo. Eu tive que ir à cidade comprar uns mantimentos e fique sabendo de tudo.
 
Dona Mocinha que habita no lugarejo Poço Dantas, entrou na Sambaíba para saber mais detalhes do caso. Também discorreu:
 
- Seu Nonato. Na manhã, eu vinha com uma carga de carvão no jumento para vender no bairro São Francisco. De longe, avistei uns carros atravessados na estrada. Aproximei-me, e notei que se tratava de confusão. Rumei logo de volta que eu não sou louca para presenciar estes fatos. E quando eu soube foi desse desastre imenso. Uma covardia que Deus não perdoa jamais. Eu olhei os carros zerinho da silva. E quem fez esse ato tem muito poder e dinheiro. Mais quem é louco de acusar um fazendeiro e seus capangas de assassinato? Quem é capaz? Ninguém é capaz de falar por um inocente. Todos tem medo nas calças. Como diz o velho ditado: quem tem cu tem medo.
 
Um homem chamado Romualdo do Kalengue, respondeu:
 
- Eu digo com sinceridade dona Mocinha. Eu não sou valente e tenho raiva de quem é valente. Se eu estivesse na hora do crime, isso não ficaria barato. Primeiro por que eu não tenho medo de nada. Nada me assusta. Homem valente não me faz medo, ele apenas late como um cão varrido.
 
Josias, sorrindo interpelou:
 
- Como resolveria isso? Deixa de ser esperto. Na hora que você ouvisse uma rajada de bala, você se afastava, correndo.


Próximo Capítulo V
 
Um mês depois (fevereiro de 2013)
Sambaíba – Residência de Dona das Neves


 
ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 18/11/2013
Alterado em 18/11/2013
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