A GRANDE TERNURA DO MENINO DE KANDAHAR - Cap. V
Um mês depois - Fevereiro de 2003 Sambaíba – Residência de dona Das Neves e o menino capelobo O vento se amainava por trás das colinas esverdeadas, marcando inovações em cada data na folhinha do mês de fevereiro daquele ano. A notícia corria solta pelo matagal de palmeiras da terra mais linda do planeta terra. Falatórios oriundos da Princesa do Sertão ascendiam nos pulos arrevesados para uma era não globalizada naquele pedaço de chão. Porém, alguns fatos eram a sucessão de indagações pormenores que tingiam as mentes dos campesinos, tais como: O dia em que o Luís Inácio Lula da Silva, assumiu a presidência da República do Brasil, e bem longe dali, a lançadeira espacial explodia no segundo maior estado dos Estados Unidos, no Texas. Que por desgraça a nave Columbia numa velocidade equivalente a dezoito vezes a velocidade do som, e se detonava como uma bomba no espaço, ceifando a vida dos sete tripulantes, determinando um oceano de tristezas para a NASA. Tem-se que o canal interativo de mensagens jornalísticas já preenchia os lugarejos mais distantes da face da terra, onde o homem social utiliza como meio de comunicação social, a linguagem. Não importa o grau de anseios igualitários dos homens, o feixe luminar do comportamento da linguagem era capaz de modificar mentes e desempenhar fortes predicados na conduta humana. E, neste botijão de palavras soltas e organizadas como expressões de linguagem, guardavam no cofre da mente os sintomas de algoritmos dos sentimentos. E naquele dia, no trajeto que dar acesso a residência da proprietária dona Das Neves e seu esposo Nonato Lucas na localidade Sambaíba. Era uma Segunda-feira do dia três de fevereiro de 2003. O planeta solar, erguido com soberania iluminava com esplêndidos raios a terra e o espaço celestial completamente azul. Já fazia algumas semanas que o festival macabro com pinceladas de brutalidade partira das imagens e conversas entre as pessoas, mas, continuava a ser o minguado dos produtos espalhados da imaginação dos que não souberam. Afinal, tudo, tudo passa e se transforma nas mudanças em que o dia mais envelhece, e se torna o andarilho das esperanças em cada amanhecer. Não esbarrando o homem sócio cultural de vasculhar os limítrofes das pesquisas que envenenam mais o multidisciplinar das ordenações moralista do meio. Encharcando em pedregulhos para aqueles distantes da lucidez do saber como noção das eras no vestíbulo de suas feições ingênuas. Lógico e tão ambiental para o homo sapiens, é que passaram por diversas mutações ao longo das estações. E, verdadeiramente, não aprendemos nada nesta transferência diária que o planeta nos oferta, mesmo com tantos arranjos e instrumentos globalizados na saliva de experimentos. Ainda, estamos no calcanhar de Aquiles nesta diagonal que desponta para a ignorância de todos os aproveitamentos adquiridos. Se o herói da Grécia ainda vivesse os seus turnos no palácio ora adormecido na educação em Pélion, o mundo teria aprendido os laços de suas próprias misericórdias, sem descarregar uma flecha na Guerra de Tróia. A confluência nos engana com turbilhões de ideias, fatos e notícias onde todos e até mesmo o protagonista quer meter o pedaço da venta onde não conhece os muros das paixões, afiliando-se de mesclados que notou nas andanças e soterra na mente e olhos como lição partidária das imaginações. As diferenças do homem entre os séculos se observam que há diferentes naipes neste baralho, um canal longínquo de agremiações diversificadas para cada época e atualidade. Os produtos enraizados das costelas que surgem, são mais para o arrimo do egoísmo e consumação desvairada, destampando a panela do amor e paz no agarradiço das depravações como fato notório. E, nestes desafios com as árvores balançando para um lado e outro. Logo ali, erguido o pé de tamarindo na magistratura elementar dentre todas as árvores. Deleitavam-se com os frutos secos nas galhas numa altura de trinta e cinco metros à noite, e seus folíolos verde-claros fechados, adormecidos no sono empolgado do clarão lunar radiante. Era o ornamento de caule com três centímetros de diâmetro no colorido verde castanho ora castanho-escuro dos furtos com largas vagens suculentas e com sabor ácido por natureza marcado na primavera. Não havia na redondeza, o melhor laxativo que a tamarindo é utilizada também na feitura de chá para dores estomacais, além das inúmeras serventias. Há que se incorporar que o tamarindeiro não chegou da África ou do continente Asiático e que renasceu nas terras dos Cocais. Há mais de três séculos que o homem do ribeirinho das palmeiras de babaçu já desfrutava desta fruta no sertão maranhense, inclusive, os índios Guanarés em Caxias Maranhão que mascavam suas cascas para aliviar as dores estomacais. Nos detalhes das horas contemporizadas, os pássaros revoando entre o tempo, a cor, o espaço e a vivacidade de cantar nos degraus de cada galho, a melodia da pipira azul, o anum preto, o bigode, papa-capim, alma-de-gato, rolinhas, bem-te-vi, chico-preto e tantas outras que se aglomeravam naquele recanto do pé de tamarindo com largas sombras, era um festival de lindas canções. Notadamente, os sons e a louca melodia embrenhavam nos toques macios da existência paulatina, de modo a marcar e remarcar os territórios. Assim, são os acordes do sertão melodicamente nos remansos da covardia dos pulsos humanos. Os anos se passam como as temporadas de ilusões e realidades, mas, a espectro e o íntimo humano não esperam nem ultrapassa as limitáveis providências que enxugam com dinamismo de suas conquistas. Notoriamente, a vida é um parque de atividades que se enfileiram no cerne das realizações humanas. Sem, contudo, à espera de cada anoitecer, não se estabelece uma divisória a delinear capaz de se nos infiltrar mais escusos horizontes da raça humana. Alguns sorriem outros choram, outros se apagam sem razões médicas, doutrora, apodrece nas camadas sociais o pulso formigante dos anseios. Se há um avanço nos meios ou revoluções de conhecimentos, assistimos nas paredes do céu aberto, também o progresso rápido da criminalidade nas relações pessoais em sociedades. Tal pleito desnatura o corante desse mundo em si, e transporta-os para outras cadeias de motivações com ignóbeis pensamentos e realizações. Vive-se um clima de guerra rural declarada sem qualquer fornecimento jornalístico nas prensas atuais. São verdadeiras quadrilhas de poderosos arquitetados em gangues, narcotráfico, contrabando, sequestro de pessoas e chacinas acobertadas pelo poder dos quais mantém a dinastia eleitoral e governamental. Haja vista que toda responsabilidade recai aos poderes que detém na circunferência estas faculdades, ou inerentes dos seus mandos. In casu, o Poder Social como instrumento mediador, harmônico, controlador e repressivo não se impõe nos detrimentos orçados de seus cavaleiros e cavalheiros, abrindo e domesticando os azares que contamina os meios como sobra para equilibrar comunicações e ordens desvalidas. São bases que se constituem e se instituem na banalização aprofundada pela perca da coletividade gerando e mantendo a brutal facilidade das violências. Tudo, tudo é fruto da intolerância que assombra o campo visionário do homem moderno. Naquele dia, com voz altaneira no lugarejo, atravessou a porteira da residência singular da senhora Das Neves, na Sambaíba. Uma mulher gritava assombrada, dizendo: - Ô Das Neves! Das Neves me acode mulher! O monstro está solto pelo cocal! Rapidamente, ela perguntou: - Que monstro é esse, mulher? Com poucas expressões e cansada, a senhora disse: - Cuidado com os teus filhos pelos matos. O monstro está solto. Novamente dona Das Neves, perquire, segurando a mão direta à cancela: - Que estória é essa? Abanca pra cá e me conta isso direito. Sentou-se perto do alambrado onde havia um banco de pau, e falou: - Ah das Neves! Você não sabe que o mostro está livre? Todas as pessoas do Baixão Grande estão se protegendo do filho da Carmelita. Ele se soltou das correntes ontem de madrugada. Vários homens estão procurando ele no chapadão e capoeiras antes que bicho mate alguém. - Que estória mais demente é essa mulher? Esse povo não tem o que fazer não? Dona das Neves inconformada com a sugestão, fala nervosa: - Eu não entendo. Vocês agora ficaram loucos? Não sabem que aquela criatura não faz nada contra quem quer que seja. A mulher que se chama Marilda, residente no Baixão Grande, replicou: - Ele é um bicho muito feio, Das Neves. Parece com um capeta. Deus me livre dele passando por minha casa! Não quero jamais cruzar com o bicho. Avaliando a situação, Das Neves, diz: - Marilda, é melhor acalmar os ânimos desse povo. Eu vou mandar o Nonato acabar com esta palhaçada. Marilda surpreende-se, afirmando: - Eu não acredito que a senhora dê tanto valor àquela gente. Há tantas pessoas correndo atrás dele para matar. Explica Das Neves, dizendo: - Isso é uma loucura descomedida, Marilda. Aquele menino precisa de cuidados médicos, nasceu doentio e sem qualquer ajuda tudo fica difícil. Completou com indignação Marilda, alegando: - Ele não é um ser humano como nós. A mãe dele me disse que ele Disse Das Neves com um olhar triste, diz: - Eu sei de tudo isso. E há muito tempo, eu venho falando para a comadre Carmelita levar este jovem para tratamento em Caxias. No entanto, eles dizem que tudo aquilo é bruxaria e que o menino tem o coisa-ruim no corpo. Aí não dá para se entender. É uma situação constrangedora tratá-lo como um bicho selvagem. É falta de amor com o próprio filho Marilda reafirma: - Eu não posso dizer nada a seu favor. Eu tenho muito medo dele solto por aí, Das Neves. Confirma a dona Das Neves, dizendo: - Sim. De tudo isso eu já sei. A família é que padece nesse sofrimento insuportável. Coitados! Aguentam demais com aquele menino. Com receios, lembrou-se de mais fatos, dizendo: - Ah, sim tinha me esquecido. A mãe dele só entra na casa armada com temor dele atacar. Sem me falhar a memória, há noites que ouço os gemidos como se fosse um animal brutal. Com expressão triste no olhar, disse Das Neves: - Dá pena por todo este infortúnio. Eu só sei que não era preciso esse magote de pessoas atrás de um inocente pelos matos. Isso tudo só faz assustar o pobre menino. As pessoas sabem que ele é doente. Até hoje eu não entendi por que prendem os seus pés com correntes como se fosse um bicho bravo. Meu Deus! -Não sei não. O caso lá é perigoso, muito mesmo. Em seguida, a proprietária chama o esposo que descansava na rede. - Nonato. Nonato. Levanta-te homem. Sem compreender, Nonato Lucas interpela: - Mas o que está acontecendo, mulher? - Vai correndo avisar para os homens não ferir o rapaz da comadre Carmelita que é doente. Dizem que vários moradores se reuniram para matá-lo. Só faltava essa. Os pais deles são irresponsáveis, agora o caso é diferente e se trata de vida em perigo. Ora essa. Eles querem arremedar o mesmo que houve no mês passado na pista. Naquele momento, o campesino Nonato subiu no lombo do cavalo e rumou com destino às matas do povoado Poço Dantas, um lugarejo a quatro quilômetros da Sambaíba. Ao se encontrar com alguns homens, ele pede para voltarem às suas casas. Havia, no entanto mais de vinte pessoas entre crianças, homens, mulheres e velhos percorrendo as matas de cocais com varas, paus, espingardas de cartucho, roçadeiras, machados e outros objetos cortantes. Todos com um único destino, ceifar a vida do menino louco. Talvez uma tarefa dificílima para Nonato Lucas da Sambaíba, controlar os desenhos de cada mente espalhada naquela ocasião. Entre as árvores, por ali, corria em desespero, as pernas de um ser humano incapaz de entender o caráter dos fatos, debaixo da estrela invisível que cobria a abóbada celestial, fustigando cansaço, ele pula e salta entre os terrenos alagadiços do eventual desespero. Seus gritos formalizam as mágoas flutuantes das dores. Com as pupilas arregaladas e vermelhas se arrastava na imensidão verde e clara da mata apertada com unhas-de-gato e cipós. Os cabelos do menino lobo se transformavam numa montanha escura e tumultuada, alongando-se pelo corpo, com barba crescida, era um bicho, um lobo ou talvez um lobisomem na qual alguns vizinhos o chamavam. Vestido num calção listrado nas cores vermelhas e amarelo, levava o odor do despreparo com os cuidados da saúde. Rasgando os perfis da caatinga, ele não parava. O menino homem que atravessava as matas secas e verdes, empreendia uma desvairada velocidade entre os arbustos, tentando se livrar dos cães que acuavam em todas as direções, ouvia-se à distância a vozearia dos perseguidores que não davam trégua. Era um animal que saltava entre os pedregulhos e matos de espinhos, rasgando as moitas de tucuns que se alastrava à frente, produzindo um zunido ensurdecedor pela floresta dos cocais. Sem defesa e agindo sem qualquer entendimento, penetrava com mais fereza na mata adentro, saltando por cima dos cães que nadam faziam, apenas ladravam ferozmente, temendo o rosnar do menino selvagem. Os tementes caçadores com suas espingardas, ora reunidos, separando-se em várias trilhas um dos outros, embrenhavam-se entre as piaçavas e arbustos rasteiros à espera do inimigo que surgia por trás das pitombas de leite. Um estampido ecoou no rasgo da floresta entre as palhas de babaçu, e sem gemido, o jovem selvagem tomba com a mão no ombro direito, apalpando sem compreender ou discernir do ferimento que escorre o sangue. Certa voz advinda após o estrondo, afirma aos companheiros: - Acertei o capelobo, minha gente. Eu acertei. Se não caiu, está ferido. Correm! Ajudem-me a cercar pelo lado esquerdo do carreirão. Outro caçador se aproximou do local, apenas conferiu os pingos de sangue deixados nas folhas de mofumbo e chão, avisando as demais para seguirem as marcas. Vários moradores das adjacências realizavam aquele ritual macabro contra um ser humano incapaz, lutando em condições desiguais, pulsando na consciência de cada um que fosse uma fera. E no seu corpo por toda a parte, rasgões de espinhos picantes em carne viva, silenciava a amarga labuta entre os cravos da existência nostálgica, levados sem sombra. Assim, aquela doença mental desenvolvida em precárias condições no jovem cuja anormalidade de reflexão, tornava-se inconcebível nos olhares de cada sertanejo. Mesmo com a psicopatologia desse valente distúrbio mental não fora jamais estudada ou medica, sequer um acompanhamento do profissional como forma de observar estas provocações. Nada disso houve em prol daquele juvenil um tratamento clínico, o que ocasionou sérios problemas ao meio social. Sem pensar, ele age num corre-corre sob o fluxo da insanidade mental sem conhecer os métodos e hábitos que cerceia a infinidade do homem. O peso da algema no pé direito transferia no universo da fragilidade o desconhecimento natural de dores que delimitavam a alma. Era a estampa dirigida no espelho da vida com o nome “loucura” que carrega o jovem no delírio e alucinações de cada amanhecer desde o nascimento. A rejeição social e falta dos cuidados da família aceleraram o crescimento da doença que rebatia na ala da porta da assombração. Aquele jovem não conhecia a realidade, o dia e nem a noite, enjaulado nunca casinha, era tido como um animal selvagem. Ajustando sem qualquer conhecimento as regras que o tempo não mede um universo perdido no meio da mata sem recursos. A mãe do rapaz como diziam os vizinhos era alimentada como um cão, através de uma lata com água uma vez ao dia. Tal procedimento se misturava na sua hipotética alimentação numa sacola plástica lançada por um buraco rente ao chão. É por demais vilipendioso, assombrado o que acontecia com o jovem naquele cubículo acortinado por uma corrente grossa no seu pé direito. Girando em sua volta um grande universo de formigas, sujeira e um forte odor. Diante deste episódio, era a psicose para o miúdo do sertão, a perda de todos os conteúdos que poderia capacitá-lo através da linguagem desde o seu nascimento, desconhecendo quaisquer formas de conhecimento, sem lógica ou evidentemente não havia meios de se conhecer os hábitos, cismas, manias para melhor entender esse caráter. Com tamanha subjetividade nos olhos, era o retrato vivo da exploração na célula familiar, sem entendimento no vasto campo da ignorância, os vértices se abriam cada vez mais no insulto da liberdade abrangida. Se o homem não é o limite de todas as ânsias, a loucura é o cerne que vagueia flutuando no mundo imaginário e desconhecido. Com o surto que deplora as veias de suas andanças, a psiquiatria ali, jamais norteou a cultura como um pressuposto de análise e com imperativos médicos. A amargura viva da pequena sociedade em busca de um fragmento solto e livre das algemas, era a recompensa salutar embrenhada pelas curvas em que a condição humana está disposta. Os olhos sádicos embriagados nos costumes e conservação social repatriam para si, a essência das dores que não se sente, não se ver, mais obstaculiza nos rendimentos frutíferos em que o doente não é, às vezes, um insano. A conservação dos atos cometidos na fraqueza do indivíduo faz brotar a sede de sonhar e transformar o universo adverso não concebido. Nas minhas anotações pessoais, entendo que o campo cerebral é uma rotação no dinamismo. Em que o homem natural surgiu com o entendimento sobre que lhe cerca. Abordando com as evoluções o crescimento de entender o seu próprio mundo de consciência. A saúde mental é basicamente o elemento físico e estrutural como os elementos que formam uma célula. Compreender a loucura como uma doença incurável, é talvez, o maior desastre humano. Nas feições em que o ser humanístico carrega é sempre de loucura, talvez, por uns reprováveis e por outros não. Esses freios que inalam a queimadura das ciências e suas terapias sobrecarregaram há milênios de anos o homo sapiens. Aqui, realço que a mente humana, é a chave do ilusionismo que se leva momentaneamente nas escadas da sobrevivência. Uma real razão de viver com a alma em liberdade sucumbindo às fragilidades do dia a dia. Com o ferimento, e ainda derramando sangue, o lobo jovem, não sentia, não compreendia o que de fato acontecia em seu corpo, perdendo bastante sangue, ele entra numa mata fechada de unhas-de-gato e tucuns. Ocasião em que sem aparição de tempo, os caçadores se veem obrigados a deixar fugir sem penetrar nas moitas de espinhos. Sem cansaço, segurando com a mão o ferimento, o juvenil não tinha qualquer endereço para a sua paz. Com os olhos verdes e redondos, a pestana grossa encobria a dor que não mais cingia na mata, retraindo as energias, a boca aberta não mais gritava, sinalando pelas capoeiras apertadas a distância da malvadeza humana. Já de tardezinha, no riacho dos Cocos, o garoto Thiago lançava a vara de anzol nas correntezas. Do seu lado direito, um cambo com várias piadas e carás enfileiravam os desejos para um apetitoso jantar para aquela noite. A poucos metros dali, o meninote houve ruídos fortes quebrando o mato seco. Talvez, um barulho assustador que não era normal se ouvir por aquelas bandas que se aproximava com a quebra dos arbustos, além da batida forte nas águas. Ao dar conta da estranheza, o guri se levanta e observa por cima da ribanceira de capim, já com os olhos na direção do inusitado. Um pouco sobressaltado, corre até o local e examina, enxergando um homem caído na beira do riacho com os braços abertos. Com temor, sai em disparada até a sua casa, clamando por sua mãe, gritou: - Mãe! Mãe! Tem um homem caído na beira do riacho? Venha logo, mãe! É um homem feio. Surpresa, a mãe do garoto sai com o rosto na janela de buriti, dizendo: - O que foi Thiago? O que você está dizendo menino? Repete o boy - Tem um homem caído no riacho com muito sangue pelo corpo. Indagou a mulher, ajeitando a “rodia” na cabeça. -Que diabo é isso menino de Deus!. Que marmota é essa! Está ficando pirado? - É verdade, estou falando sério. Venha logo! Tem um homem ferido lá no riacho e sangra bastante. Em poucos instantes, os dois chegam à beira do riacho dos Cocos, e Thiago investiga: -Será que ele está morto? Respondeu assustada a mulher com um facão na mão: - Parece que sim. Espere um pouco. Ajude-me a puxar os braços de cima dos garranchos. O menino impressionado, fala com um ar de nojo: - Mãe, ele não é dessas bandas. É feio e cabeludo e fede muito. Veja o pescoço dele tem até um bicho. Olha mãe, o pé dele tem uma argola de ferro. Ele é um escravo fugitivo de algum lugar. Cuidado, deve ser perigoso labutar desse jeito, mãe. Os pés do homem metido na lama da beira do riacho deixavam à mostra o pé direito com o ferro que aprisionava os passos da própria liberdade. Nervosa dona Maria, diz: - Deixe quieto menino e para de falar asneira. Não está vendo ele ferido no ombro. Esse troço feio ainda está vivo. Nossa mãe de Deus! - Qual a idade dele mãe? - Não sei. Ele deve ter uns quinze a dezoito anos. - Mãezinha! Vamos salvá-lo! Ele merece viver e a sua alma ser abençoada por Deus. - E o que estou fazendo? Não está reparando não? O coração dele ainda bate. Vai lá no quarto e me traga uma barra de sabão de coco. Correndo menino! Enquanto vou raspar umas cascas de pau. Vem logo! Em minutos, Thiago acelerou as pernas em busca de uma barra de sabão, ao retornar encontrou o ombro do desconhecido amarrado com o pano da rodia, evitando uma hemorragia. A mulher faz uma bucha de melão de São Caetano e esfrega todo o corpo do homem, repassando o sabão e lavando com água do riacho os ferimentos. Thiago observa e diz; - Mãe, esse homem não banha há muito tempo. Veja o tanto de grude na sua pele! Os cabelos parecem uma vassoura e as unhas um cavador, meu Deus! A mãe repreende dizendo: - Deixa de conversa fiada garoto. Vá logo tirar na beira do riacho oito paus e dois menores e uma rama de cipó de caibro. Eu quero tirar ele dessa lama agora. Não demorou, eles preparam uma cama de paus, colocando o corpo do homem como se fosse uma maca, e levam até o pequeno casebre. Com o peso enorme do homem deitado naquela armação, o cansado não se rende, porém, a vontade de ajudar é o lema dos dois. Em casa, dona Maria pede ao filho: - Vai Thiago botar a panela com água no fogo. Depressa, arriba estes pés. Indaga o garoto: - O que a senhora vai fazer mãe? - Vou extrair essa bala alojada no ombro do homem, temos que ser rápido. Vê se você pega um pouco de álcool perto do cabide e uns pedaços de panos limpos. - Aqui está mãe. Ele parece que está desmaiado. Não falou nada. - Sim, é verdade. Também pudera, ele perdeu muito sangue, mas, o seu corpo ainda está quente, parece que ele tem febre. Em poucos minutos, a mulher preparou a água quente numa bacia de alumínio, colocaram o homem deitado sobre uma esteira, e dona Maria José, desinfetou a ponta da faca, lavou o local da perfuração, mergulhou na água quente, após uns segundo, lançou numa porção de álcool. Diante do local ferido, a sertaneja observou como se fosse uma cirurgiã, fazendo um corte vertical de aproximadamente dois centímetros. Prevendo a abertura, apoia com os dedos na cavidade e puxa dois caroços de chumbo. Com nervosismo, naquela enfermaria improvisada, costura com quatro pontos, passando a ponta da agulha no fogo da lamparina. Prosseguindo, lava as mãos e limpa a região cirúrgica com álcool embebido num pano, ordenando ao filho a pegar a raspagem do pau de jucá, casca de caju e jatobá misturado com o óleo da copaíba, pisado no pilão. O homem ainda sem abrir os olhos, transmitia uma sonolência profunda naquela ocasião. Ao anoitecer, o menino em prontidão junto ao homem, grita: - Mãe! O homem mexeu com a perna. Veja! A sertaneja apressada sai da cozinha, abonando com um olhar desconfiado, diz: - Sim. É mesmo. Ele está reagindo e se Deus quiser ele ficará logo bom. Notando o copo do desconhecido, o menino disse: - Ele está suando mãe. - Agora, vá à casa do Zé da Farinha e peça para Raimunda me emprestar uma sulfadiazina. Por favor, não fale nada. Não quero assombração de perguntas por aqui. Você sabe como é este povo dessa localidade. Não demorou muito, o guri chegou com o remédio. Momento em que o homem abre os olhos e geme. A mulher abre sua boca e coloca o comprimido com água. O menino diz: - Mãe os olhos do homem são verdes. Venha ver mãe! - Thiago, abra a boca do “cabra” para eu colocar o remédio na garganta. Eu percebo que ele não entende o que estamos falando. - Ele está fraco e com medo. Ei moço não vai fazer mal algum. Tome o remédio, não vai doer. Mãe, vamos cortar a sua barba e deixá-lo novinho. Faça isso, mãe. Ele parece que merece uma chance. O homem olhava desconfiado e engoliu o remédio sem nada entender, agonizando num chiado e balbuciando expressões desconectas. Thiago observava tudo ao seu redor. - Mãe, a senhora está observando que ele não é normal. O seu olhar é atravessado e não tem jeito de uma pessoa normal. - Eu não sei de nada. Vá à casa da Das Neves e pede para ele vir aqui urgente. Vá logo num pé e noutro, por favor. - Sim, eu vou agora mesmo, voando. Não passou de uma hora, a senhora Das Neves adentrava na casa, acompanhado do seu neto chamado Bodão além do genro de nome Pedro. Após entendimentos, eles ficaram sabendo que o homem carregava na alma a inocência da doença mental. Todavia, explicando a trajetória do mancebo e família da qual sofria, as diversas judiações, perseguições e maus-tratos. Adiante, dona Maria José narrou com denoto os fatos como o filho encontrou na beira do riacho com ferimentos de bala no ombro. Sem contestação, a dona Das Neves se admirou pelo labor cirúrgico e cuidados que tivera com o rapaz doente. Sem demora, a senhora Das Neves se despediu, chegando à sua moradia solicitou ao filho conhecido como Luis para o mesmo providenciar um automóvel na cidade de Caxias para levar o doente ao Hospital Dias. E cujo estabelecimento hospitalar tem por atividade médica o trato clínico destas anomalias. A notícia correu por todos os lugarejos daquela circunvizinhança sobre a dona Maria José que ajudou a retirar as balas do filho da Carmelita, oportunidade em abriu e propiciou ao jovem um novo universo de vida, ofertando um pedaço de harmonia e sossego ao rapazote. Na manhã, o médico examinou detalhadamente, notando que o jovem era acometido deficiência mental, além de surdez, com o exame diagnosticado, foi removido dos ouvidos quantidades enorme de placas ressecadas de cera de ouvido, tendo perdido a audição do lado esquerdo por este motivo. E naquele momento, o médico procedia na limpeza, um ruído destampava o tempo, foi a primeira vez que o jovem ouviu, e balbuciou sons distorcidos, chamando à atenção do médico que exclamou ao lado da enfermeira. Alegre, este afirmava que os delitos em que foi submetido, não mais existiriam na no panorama do juvenil. Ressaltando que os maus-tratos praticados pela família transformaram a personalidade em algo estranho com a falta de amor e carinho ao doente. Articulou ainda o médico à enfermeira, que a carência amorosa e o abandono do incapaz tinham raízes profundas na educação e formação do caráter daquele jovem. Avaliando as perfurações nas pernas, braços, pernas e rosto, além da marca no tornozelo com cicatrizes da algema, o medido determinou outros exames. Estando naquele hospital, as enfermeiras cortaram os cabelos e unhas dando outro mundo favorável. Aplicando os métodos da psiquiatria, ali se instalava mais um membro e residente, distante das algemas e dos castigos imoderados que lhes eram imputados à base da ignorância. Não demorou muito, outro médico examinou as condições físicas e psíquicas revendo o seu grau de inteligência e o retardo brusco que atingiu a sua adolescência. Desse modo, afastado bruscamente do convívio social e martirizado pelo desconhecimento da família sobre os tratos da doença, este era privado de ver a cor do sol, o cântico dos pássaros e o próprio amor fraterno. Ainda, na observação médica, o garoto não falava, apontava com seus reflexos estáticos e assustando em vários momentos. Com o diagnóstico, o médico pede a enfermeira para tratá-lo bem, ensinando as boas maneiras, uma vez que ele apresentava deformações aos hábitos, não sabendo segurar com as mãos qualquer objeto. E foi assim, que em dado momento, o menino tocou mansamente no cabelo da enfermeira, olhou a sua mão, expressando ternura e carinho. Ela disse: - Doutor Roberto, ele tocou nos meus cabelos. Ele é bonito e tem os olhos verdes. Um encanto! Ó meu Deus como pode tudo isso acontecer com um jovem que perdeu parte da vida. O médico diz: - Um dos principais problemas clínicos é restabelecer novos horizontes na formação da integridade do meio em que vive. Quanto ao problema mental está diretamente relacionada ao seu convívio. Não apresentou outros fatores capazes de neutralizar o raciocínio. Acho que roubaram a sua vida desde pequenino quando apresentou os prmeiros sinais de anormalidade. Surpresa, a enfermeira indagou: -Doutor, como essas são capazes de tudo isso? - O homem é dotado de vários campos imaginários, abnegando-se, às vezes de reconhecer o seu próprio eu. A precariedade do saber lastreado na ignorância é ferramentas de mudar a personalidade, o ser, a visão, o modo, o tempo e a própria vida. Foi por justo motivo, que eu imaginei em salvar a existência desse rapaz. O que se percebe em seu olhar nenhuma conexão com estados mórbidos. A falta de amor é o complemento mais sórdido para a livre observação do lado oposto. É salutar que todos os meios empregados na recuperação não são suficientes para equilibrar com dosagens pesadas de remédios controladores do sistema nervoso. - Doutor, ele é diferente dos outros. O senhor já percebeu? - Sim. Nos exames dão conta que a consciência dele está alerta, apesar de não ter orientação, somos os seus familiares agora por tempo indeterminado. Dentro da sua capacidade neurológica nos transmite que ele capota rápido as coisas com estes fenômenos. Ele não conhece as cores, o tempo, as pessoas, mas, possui capacidade motora de movimentos. Sem se falar da memória que estamos tentando amenizar para melhor os seus reflexos. Agora, pense numa criança de um ano de idade? Essa é a sua idade para o grande avanço que teremos daqui para frente, somados os reflexos adultos e outros que descobriremos em sua aprendizagem. Agora, vou sair e amanhã conversaremos. Cuide bem dele. Próximo Capítulo VI MARÇO DE 2003 - ESCOLA CRISTO É VIDA – SAMBAÍBA ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 24/11/2013
Alterado em 24/11/2013 Copyright © 2013. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |