ERASMO SHALLKYTTON

O POETA É O SENHOR DE TODAS AS EXALTAÇÕES HUMANAS

Textos

UMA DESPEDIDA EM LÁGRIMAS


Poesia na íntegra e escrita no ônibus – 19 de dezembro de 1979


Dezembro de setenta e nove,
Um mês lagrimoso na minha vida,
Quando deixei a minha casa,
Minha família e muitos amigos.

Numa tarde deplorável,
Até o tempo se modificou,
Surgia nos céus de Caxias,
Da minha Princesa do Sertão,
Nuvens, nuvens escuras,
Como se fossem chover.

Passei uma grande tarde,
Lá na localidade "Alto da Cruz",
Visitei o grande amigo Toinho,
Numa despedida quase sem fim.

Antes da maior partida,
Fui na Escola de Música ao meio-dia,
Lá estava eu sozinho,
Sentado no último banco,
Tocando "Carinhoso".

A dor era imensa no meu peito,
Rasgando as notas musicais,
Atravessadas na saudade,
Que iriam ficar no meu coração.

A zeladora Dona Joana,
Assim permitiu entrar na escola
Tocar naquele trombone,
Pela última vez da minha vida.

Ela dizia:
- Meu filho toque a vontade!
- Todos nós vamos ficar com saudades,
- Você é o melhor trombonista da Banda,
- Eu sei que aqui você não irá conseguir nada.

Não tardou o dia da vigem,
O meu confrade Jorge,
Amigo de todas as horas,
Estava comigo naqueles piores instantes, 

Grande amigo da escola de música.
Quando eu tocava na banda,
Trombone em si bemol,
Lá, na Igreja da Catedral,
Quando fui coroinha,
De todos os domingos.

Amigo de trabalho como menor aprendiz,
Lá, naquela agência do Banco do Brasil,
Colega de sala de aula e confidente.

Foi na minha casa,
Na hora do último almoço.

Não tive fome e nem sede,
Saí e andei pelo quintal,
Olhei o meu cajueiro,
Subí no pé de manga abelha,
Com suas folhas amareladas,
E lá chorei minhas últimas lágrimas,
Sentado no banco lá no alto,
Entre as folhas da mangueira,
Para ficar bem escondido,
Pois lá, era a minha escrivaninha.

Desci, e enxuguei os meus olhos,
E fui à casa da Madrinha Raimunda,
Abracei e abrandei em choros.

Ela assim me dizia:
-Não chores meu filhinho!
-Tu serás muito feliz!

Adentrei na casa da Madrinha Nazaré,
As gotas incolores desciam,
Ela exprimia em lindas palavras:
-Deus te acompanha, ele fará coisas boas.
-Não vai ser poeta e nem músico no Rio de Janeiro.
-Tu sabes que meus compadres não gostam.

Falei com vários vizinhos,
Em cada olhar uma melancolia,
Em cada abraço um sorriso,
Mas dentro de mim,
Espalhava-se a saudade.

Peguei minha bicicleta “monareta.”
Pedalei no fundo do quintal,
As minhas últimas voltas.

Minha mãe pelas grades da varanda,
Assim exclamava:
-Erasmo anda!  Senão perdes o ônibus.

Ainda taciturno,
Eu falei para os meus pais,
Não venderem a minha bicicleta,
E nem cortarem as árvores do quintal,
Lá, do Rio de Janeiro, eu sentirei falta.

As malas estavam prontas,
E numa sacola ainda quente,
Um frito de galinha caipira,
Um bolo de tapioca,
E uns trocados espalhados,
Na mala, no bolso da calça,
E outros na carteira.

Entrei no meu quarto,
Olhei o retrato do meu poeta,
Gonçalves Dias embranquecido,
E lagrimei nos últimos instantes,
E disse com o seu retrato nas mãos:
-Não serei como tu,
-mas levarei a expressão dos teus versos,
-nem que seja esta a última vez.

Passei as minhas mãos nas pinturas,
Dos quadros que pintava,
Enorme quadro do Palácio da Alvorada,
E outra com uma pista negra.

Entrei no quarto e balancei na minha rede,
Pela última vez, e meditei...
Tantas coisas imagináveis.

Sair e fui à casa do Antenor,
E disse:
-Vou pro Rio de Janeiro, mais um dia eu volto.

Antenor, amigo do meu pai aconselhou:
-Não venhas! Aqui não tem trabalho.
-Aqui só dá casamento e cortar pano no Armazém Paraíba.
-“Olha meu filho, não te meta nesse negócio de poeta”.
-Larga esse negócio de músico!
-“Quantas tacas tu já levou”?
- “Músico e poeta não ganham nada, só sabem é beber cachaça”.
-“Segue a linha dos teus irmãos no Rio”.

Minha mãe saía na porta e reclamava:
-Vamos, meu filho senão perdes o ônibus!

A dor era forte no meu peito,
Eu não sabia o que fazer,
De olhar os meus pais e meus irmãos,
E todos os vizinhos nas janelas e portas.

Abracei a todos com o coração partido.
Um forte abraço e um beijo,
No meu pai, eu dei.
E falei baixinho no ouvido:
-Papai, perdoe-me por tudo que fiz de errado!
Papai abraçou-me e disse:
-Filho, você não fez nada de errado,
-Seja atencioso e obediente.

Desci a ladeira da rua apressado,
A lama avermelhada colava no sapato,
E fui até na casa da dona Mundica.

Ela abraçou-me e falou:
-Erasmo, uma flor vai abrir seus caminhos,
-Vou sentir muitas saudades de você meu poeta.
-Aqui estão todas as suas poesias lindas que eu guardei.
-Um dia seus versos vão voar como os seus papagaios.

Eu disse, passando as mãos nos olhos:
-Não sei porque Caxias é tão ruim comigo,
-Não me dá valor todo mundo sabe que faço versos.

Novamente agradeci em lágrimas:
-Dona Mundica, eu nem sei o que lhe dizer,
-Eu nunca vou lhe esquecer,
-E lá no Rio, vou escrever à vontade,
-E ser um poeta de verdade,
-Ninguém vai me proibir de escrever.
-Eu posso é não falar direito mais sei escrever até no céu.

Dona Mundica sorrindo, exclamou:
-Você é um poeta, pena que ninguém dá valor!
-Um dia serás um poeta de verdade!
-Ainda quero ver um livro seu fazendo sucesso.

O táxi já estava a minha espera,
Entrei, acenando a todos os vizinhos,
Que se debruçavam nas janelas e portas.
A minha dor era demasiada,
Batendo forte no coração.

Chegamos à Estação Rodoviária,
Sair e fui comprar um caderno e uma caneta,
Para escrever este poema,
E disfarçando e com receio,
Aproveitei comprei umas laranjas.

Abracei e beijei minha mãe,
Com aquele olhar molhado,
Sugando as narinas,
Segurava os soluços.

O ônibus da cor do meu bem-te-vi,
Buzinava insistentemente,
Naquele letreiro escrito,
VIAÇÃO ITAPEMIRIM.

Os olhos amáveis de minha mãe Elzi,
Desfilavam enormes carinhos,
E me abraçava clamando:
-Meu filho, tu serás muito feliz.
-Não fique triste que o seu futuro é no Rio.
-Seja obediente, vá sempre à Igreja e reze.

Eu passava o lenço nos olhos,
E as lágrimas desciam velozmente,
Numa lagoa sem querer dar adeus.

E dizia:
-Assim que eu chegar vou escrever para a senhora.

E daquela janela do ônibus,
Eu olhava minha mãe,
Acenando um Adeus,
Porém, o seu coração estava feliz,
Eu também acenava incansavelmente,
Deixando as minhas palmeiras de babaçu,
Até não mais observar em Timon(MA),
E fui embora para o Rio de Janeiro.




ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 26/11/2005
Alterado em 29/09/2011
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