FELIZ NATAL MEU AMIGO!
O vento soprava forte entre as árvores, o balançar entre as palhas dos cocais era constante na segunda-feira, véspera de natal no pequeno povoado da cidade de Caxias(MA), localizado na zona rural do segundo Distrito, o menino irrequieto indaga a sua mãe. -Mãe! O pai não vem passar o natal? A mãe responde. -Não se apresse meu filho, o seu pai está pra chegar. Talvez não encontrou transporte. Os minutos passam, o guri pega um tamborete e senta à porta, nervoso com os olhos na estrada apertada e escura. -Mãe! O pai não vem passar o natal com a gente, até agora não chegou. O que teria acontecido? -Não sei meu filho! Mais tenha certeza que ele está pra abordar na beira da estrada. -Eu fico preocupado com papai, ele nunca deixou de passar o natal. Quando ele chegar vou lhe dá uma penca de murici que guardei. Naquela ocasião, Raimundão ainda estava no escritório da empresa aguardando ser chamado para o recebimento do salário de escravidão no meio da mata, cuja atividade era exploração de carvão vegetal, onde centenas de homens trabalham em condições de escravos, alojados nas condições mais degradantes e miseráveis ao ser humano. Sem energia elétrica, sem água potável, sem banheiro, comida armazenada sem qualquer higiene, além de não possuírem equipamentos de proteção ou qualquer registro. Sem qualquer respeito à vida humana, esses trabalhadores semeiam o ouro negro das siderúrgicas no país, elevando ao grau mínimo a tolerância e dignidade do trabalhador nordestino. E nesse momento, o gerente grita pelo nome, e Raimundão adentra naquele recinto no meio do mato. -Raimundão, tenho um comunicado pra lhe dizer do nosso patrão. Infelizmente não deu pra pagar todos os funcionários. Porém, ele me adiantou que até o dia 15 de janeiro de 2008, estará pagando os dois meses de salários. -Jorge! Isso não pode ser. Eu quero receber o meu pagamento. Não me interessa se ele tem dinheiro ou não. Já estou cansado dessa velha história. Eu quero o meu dinheiro. Eu quero passar o natal em casa e comprar o presente do meu filho. Indignado falou o obreiro. -Raimundão! Não posso fazer nada, apenas cumpro ordens. Ele me telefonou e estou transmitindo o recado. -Rapaz, isso é covardia demais. Estou com dois meses que não recebo nada. Olha, eu tenho família. Me adianta pelo menos um vale pra eu poder viajar. -Não posso. Eu também não tenho nada pra lhe ajudar companheiro. -É muita sacanagem. A gente trabalha o dia inteiro nesta carvoaria, levando fumaça na cara e fogo ardente nos peitos e você ainda vem me dizer que não tem dinheiro. Eu preciso de dinheiro pra levar pra casa. -Lamentável a sua situação. Infelizmente nada posso fazer. -Jorge! Vejas que já foram mais de trezentas carradas de carvão saindo nos caminhões para as siderúrgicas. E elas não pagam? Vocês fazem é doar? Essa é demais! O Ribamar recebeu ontem o pagamento, o Farias também, somente eu que fiquei fazendo horas extras em mais de setenta fornos, e ainda não tem um vale pra mim. Jorge! Tenha compaixão de mim, faça alguma coisa! -Raimundão, lamento, essas horas não tem banco aberto na cidade para que eu possa arrumar emprestado. -Que nada Jorge! Você pode fazer um vale pra mim pelo menos da passagem. Eu preciso passar o Natal em casa. Há mais de quinze dias, o proprietário da carvoaria TORION INTERNATIONAL COMPANY, empresa que vem deflagrando o cerrado e a caatinga, grande acionista do diário vermelho dos nordestinos, estava viajando para a Europa, curtindo as férias com a família, deixando as dívidas para quitar quando do seu retorno sem ao menos se lembrar que há centenas de famílias passando fome e que durante meses deram os mais avantajados lucros no ouro negro do nordeste. O vigia da carvoaria falou com o gerente, após a retirada do trabalhador. -Jorge! Hei rapaz! Ajeita o dinheiro pro cara passar o Natal com a família, deixa de ser miserável. Eu vi você pegando dinheiro no caixa pro Severino. -Sem essa Tadeu! Eu não tenho nada haver com o natal de ninguém. Eu paguei o Severino porque é meu parceiro e eu tenho um caso com a irmã dele, o resto desses porcos tem mesmo é que berrar de fome e respirar fumaça nas caieiras. O gerente saiu rapidamente no seu automóvel, e nem sequer dera carona ao trabalhador que ficou triste e sem condições de viajar. No entanto, o tempo passava rápido, a aflição daquele trabalhador braçal não escondia nos olhos a amargura, e mesmo assim tomou o rumo de casa a pé numa distância de mais de trezentos quilômetros. O desejo e a infinidade de passos não suportariam àquela trajetória infeliz e desumana. Todavia, a força de vontade, as aspirações e todas as pretensões jorravam na desventura de uma labuta que nem mesmo o esforço físico e desnutrido podia convalescer na ardência da mente nos caminhos. Assim, foi a trajetória do menino de Jesus ao nascer, sua mãe e seu pai percorrendo estradas, batendo às portas, e ninguém fora capaz de lhe dar abrigo. Sem receber o minguado e diminuto salário, Raimundão partiu pelas estradas vicinais e desertas com destino à sua casa. Uma chuva molhava o corpo do obreiro, porém, não desistia de sua jornada, cansado e com bastante fome, suas aspirações transpassavam entre as estradas de matagal escuras e a superação humana. E de repente, assustou-se com um barulho, curioso se aproximou de mansinho, e ficou observando, imaginando ser malfeitores. Sem delongas, Raimundão ver que se trata de um automóvel atolado na enchente de um pequeno riacho que atravessa a estrada vicinal. Um grito vibrou. -Por favor,! Precisamos de ajuda! Raimundão atemorizado perguntou: -Quem são vocês e o que fazem aí? -Moço! Estamos com o carro atolado no riacho há mais de sete horas, precisamos de ajuda. Após esclarecimentos, o casal que haviam chegado recentemente da Alemanha, a esposa chama-se Márcia, de nacionalidade brasileira, natural de Caxias, uma bela jovem casada com o alemão Roner, pessoa de personalidade elegante, na qual sempre aspirou conhecer o Estado do Maranhão e suas belezas juntamente com filho Elias Samuel. A jovem Márcia até lagrimou por ter encontrado ajuda no meio daquele capoeirão escuro, dizendo o seguinte: -Graças a Deus apareceu um filho de Deus! Moço! Ajude-nos a sair desse lugar! -Fique calma senhora. Eu estou com muita sede, vocês tem água pra me dá. -Temos sim. O alemão Roner, ainda falando embolada a língua portuguesa pegou a garrafa e saciou a sede do homem. A partir daí, Raimundão entendeu que não se tratava de assaltantes e procurou ajudá-los, retirando madeira na mata espessa e palhas de palmeira de babaçu. Raimundão então alertou o casal. -Vocês têm muita coragem de ficarem nesta estrada, aqui é um dos locais de maior assalto da região. -Moço não me diga uma coisa dessas. Eu fico muito grata pelo senhor ter aparecido. Disse Márcia assustada. Raimundão já havia preparado tudo debaixo do automóvel e rapidamente saiu do atoleiro, instantes em que o Roner indaga: -O senhor vai pra onde? -Eu vou pra Sambaíba no segundo Distrito de Caxias. O jovem alemão advertiu. -Rapaz é muito longe, fica a quase duzentos e oitenta quilômetros. O que você faz por estas bandas? -Eu trabalho numa carvoaria. -Diga-me quanto custa o serviço? Raimundão prontamente respondeu. -Não custa nada moço! Estamos aqui pra ajudar a quem precisa. Naquele lugarejo da cidade de Caxias, o filho de Raimundão dormia na noite de natal na pequena rede situada na sala, cansativo de esperar o pai que não chegou. Logo, o casal de viajantes ofereceram carona ao trabalhador, e disseram que iriam com destino aos Lençóis Maranhenses, conhecer a mais bela peróla do Maranhão lançada entre várias lagoas. Sem demora, a esposa de Roner fala: -Se você morasse perto, nós iríamos lhe deixar. É que agora estamos indo para Barreirinhas. Tão logo estarei em Caxias, passando o Natal com minha Deodata. Veja! Agora é Natal! Feliz Natal com muita chuva e viajando por estradas no meio do mato. Raimundão responde: -Feliz Natal também pra vocês. Ao chegar na primeira cidade, Márcia e Roner se despedem de Raimundão e agradecem por tudo que o mesmo se propôs. -Agora, vocês vão ao passeio de vocês e eu vou pra casa passar o meu natal. Márcia interrompe o trabalhador: -Espere moço! Vamos contratar um táxi pra lhe deixar em sua cidade. -Não é preciso! Disse Raimundão. Retrucou a senhora: -É preciso sim. O que você fez pela gente não há dinheiro que pague. E vejo que posso fazer algo por você sem medir esforços. O táxi parou à sua frente, e Roner chamou Raimundão: -Este é o seu presente de Natal, guarde-os e gaste da melhor forma. Aqui estão dois mil reais em notas de cem. O táxi já está pago, não é preciso se preocupar com estas despesas. Espero que neste Natal você tenha a sua liberdade. -Meu Deus! Eu não mereço tudo isso. Sei senhor, eu passo mais de seis meses pra ganhar tudo isso. O que ganho é menos do salário mínimo, e ainda com humilhação. -Vejo que a sua labuta é grande, e não há nada mais compensador do que um gesto de amor e gratidão de um homem como você. Sinto que nem sequer lhe pagaram o seu salário, mais isto não vem ao caso. -Realmente, eu só trabalho na carvoaria porque não tenho outra opção. Mas com este dinheiro todo, não pretendo voltar mais lá. -Pois é, Feliz Natal meu amigo! Eu nasci e moro na Alemanha, e vim com esposa e filho conhecer o Brasil e o Estado do Maranhão, a terra em que ela nasceu - Caxias, e me perdi entre duas rodovias aqui no Maranhão, e terminei ficando naquele lamaçal. Agradeço-lhe e torço pra você logo abraçar a sua família. Saiba, se um dia olhares para uma montanha de ouro, sei que não terás pressa e nem ambição, pois ela virá em tuas mãos com a força da sua honestidade. E que o Natal possa abrilhantar mais ainda a tua família com a tua chegada, assim como Jesus veio ao mundo. ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 17/12/2007
Alterado em 04/10/2011 Copyright © 2007. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |