Neguinho Babaçu – Tribo de Jah
Naquele dia, o céu amanheceu nublado com respingos de luzes distantes no fim do horizonte, cortado por diversos mares e oceanos de palmeiras de babaçu. Um grande lençol verde sobre a terra abençoada por Deus e desprezada pelos homens na manutenção do bioma sustentável, nasce o panorama inesgotável da natureza virada para o céu.
É ali, em Cururupu, uma pequena cidade do Maranhão, onde o sapo cururu irradiava nas lagoas com melodias noturnas, e o descaso governamental atual na boa gestão de um município por onde La Ravardière um dia pisou no solo árido. Abrolhando a desesperança estarrecedora dos olhares que navegam aos céus à distância, podia se ver a felicidade vestida na falsidade das pessoas. Do desleixo e insensibilidade moralista em uma nuvem única e nebulosa, faísca a viagem como um trem que nunca sai do lugar ora mergulhado no pacifismo de um povo trabalhador. Outrora, fruto de uma serventia doada pela natureza e mantida por Deus.
Tudo isso, são passos da nossa política com ótimas eleições, normas e leis que à época da eleição uma nota de cem reais enlouquece aquele pequenino trabalhador e cidadão. Eis que o torrão brasileiro estar superlotado de municípios desse naipe melindroso, onde o dinheiro faz a diferença de classes e impõe o poder. E nesta nau, vão milhares de cegos analfabetos que visualizam uma promissora mudança em cada alvorecer aos seus filhos e apadrinhados. O berço da saúde e a educação são mangas que caem da árvore ao despreparo do futuro e pobreza da terra do Maranhão.
Importante frisar, que os logradouros públicos parecem mais com aquelas cidades miseráveis da África, onde o lixo é acumulado nas ruas e avenidas e os animais tomam o centro da cidade em uma vastidão sem fim. Meninos homens ou homens meninos põem asfalto nas ruas do centro de condições miseráveis que alguns cururupuenses adotam como codinome “Sonrisal”. Com apenas um pingo de água da chuva, dissolve-se com as criações de crateras iguais à de marte e Lua.
Assim, Cururupu fica centrada na ala litorânea maranhense, tendo como primeiros habitantes os índios tupinambás que desapareceram da grande taba pelos conflitos, dominação e guerras. Com o colonialismo, vieram às grandes fazendas com a escravidão do povo africano da Costa do Douro e Daomé da Guiné.
Lembra-se que os 640 km de litoral, o Maranhão possui a maior área de manguezal do Brasil. E fluindo com o desenho irregular desse litoral configura as Reentrâncias Maranhenses, uma área de 12 mil quilômetros quadrados, entre a Baía de São Marcos, em Alcântara, e a Foz do Rio Gurupi, na divisa com o Pará. Logicamente, a região recortada por baías, ilhas, dunas, enseadas, ilhas, lagoas e extensas florestas de mangue, foi declarada de interesse mundial pela Convenção de Ramsar, realizada no Irã em 1971, pela importância das áreas úmidas para o equilíbrio do clima no planeta. E posteriormente, vinte anos depois, em 1991, foi transformada em área de proteção ambiental.
Na verdade, o Maranhão possui um continente de negros em sua maior abrangência, fruto de uma posição secular da escravidão que faz da cultura o seu enorme valor. Apesar das classes racistas, o negro vive isolado, com baixo nível escolar e renda per capita sem nenhum valor. É notório que o preconceito, ainda é a maior contribuição contra a pele escura e africana, mas a situação afro-brasileira torna uma barreira, onde a mitologia da cor não existe.
A cidade pacata de Cururupu é banhada pelas águas do Caribe, onde as ondas recheadas da Jamaica invadem com musicalidade, e parecem grandes navios soando por toda a urbe. E o reggae com suas potentes radiolas soam por todo Atlântico Sul. Como troféu e tanto exultam, vem o bar “Pantera Negra” que balança a cidade com a Tribo de Jah, além de outras “pedras de responsa”. De outra banda, lá na Rua do Pinche ouve-se muito reggae roots.
Bem afastado do centro da cidade de Cururupu, numa localidade rural com apenas quinze quilômetros de distância, residia com sua mãe, a campesina Maria José. O pequeno Josivaldo de apenas doze anos de idade, de tez negra, conhecido com o codinome de “Neguinho Babaçu”. Era um moleque habilidoso, esperto e um bom filho. Pois, era a única palma de sua voz materna que assobiava dentre a capoeira com Babaçu. Ajudando no cotidiano a pobre mãe, Neguinho Babaçu ou Baba quebrava mais de dez quilos de amêndoas após realizar a coleta dos cocos pela manhã de segunda-feira. A venda era certa e o dinheiro batia nas mãos do pequeno que trazia a miúda feira da semana.
Ressalta-se que a pequena família pertencia a Quilombola de vários traços familiares, resultante de antigas comunidades dos quilombos. Sabe-se que as comunidades com africanos escravizados e descendentes da senhora Maria José, lutavam pela liberdade e demais condições de vida. Vale dizer que naquela comunidade viviam vários homens brancos e livres, além dos indígenas. Nota-se que a família de dona Maria José fora vítima de várias violências dos ditâmes governamentais, além de sofrer na pequena sociedade, o duro preconceito de ter a cor preta.
A disposição de vencer os incríveis obstáculos que detém as pessoas enfraquecidas financeiramente, Neguinho Baba superava com orgulho por ser um minúsculo chefe de casa, mantendo os atos da quebradeira com o suor derramado em seu singelo rosto. O menino, ainda teve condições de comprar um pequeno radinho de pilha de marca chinês nas barracas de camelô no centro de Cururupu. E com o som emitido nas manhãs pela Rádio Mirante, o reggae contagiava no meio do capoeirão um fortíssimo reinado, aclamando as mais dóceis melodias, o som com as melhores pedras da massa regueira.
Numa manhã, o filho do vizinho chamado Francisco que desfrutava larguíssima amizade com Neguinho Babaçu, procurou-o. Indagando o seguinte:
-Dona Maria José! O Baba está aí. Eu quero falar com ele?
De prontidão, ela respondeu:
-Não, meu filho. Ele foi cedo para o capoeirão. O que você quer com ele?
-Eu queria pedir emprestado o radinho de pilha dele.
Maria José Complementa, dizendo:
-Francisco, o radinho está com ele.
-Obrigado, dona Maria José. Eu vou lá onde está o Baba. Eu sei que ele está naquela mata fechada do besouro verde.
Minutos passam, e Francisco encontra Neguinho Baba debaixo de uma palmeira quebrando o coco com um afiado machado, acompanhando com a voz a melodia “Guerreiros Regueiros” da banda maranhense Tribo de Jah. Instantes em que Francisco surge por baixo de uma moita de melão São Caetano, e exclama:
-E aí meu? Curtindo essa pedra de responsa, né? Eu também adoro a Tribo. Se eu pudesse não perderia nenhum show dela. Esse reggae parece com você.
Cumprimentou Francisco de surpresa.
-Fala bicho feio? Você está vindo de onde, Francisco?
-Da tua casa Mané. Eu vim pedir emprestado o radinho. Empresta-me até sexta-feira? Logo, eu devolvo a você. Talvez, eu compre o meu ainda no sábado, depende dos trocados que eu receber. Eu não vendi todos os litros de azeite.
-Pode levar Chico. O que é meu é seu, sem problemas. À noitinha, eu vou passar na sua casa para combinarmos ir à casa da Patrícia. O pai dela comprou um DVD zerinho da silva. E ainda deu de presente no aniversário, um CD da Tribo de Jah.
-Cara! É massa! Puts grilo! Eu vou dançar muito reggae maneiro. A mina é louca para aprender a dançar comigo. E aí? A Sílvia vai mostrar o rosto dela também, na hora que eu chegar. Só sei quando tocar a Tribo, eu vou me enlouquecer e dançar à Bessa. Essa pedra vai arrebentar pra dedel. Mexe com tudo dentro de mim.
Disse Francisco, sentado no lombo de uma palmeira caída.
-Isso mesmo. A tijolada é quente e segura, bota coisa nisso. E a Júlia? O que achas?
-Ela não sabe quebrar. E também nunca aprendeu a marcar, e cada tijolada é uma pedrada das grandes. Mas, é uma mina sensual, talvez o melhor disco legal que tem por aqui.
-Não estou bem inteirado, mais a Gina do Gadelha, é uma gata massa, sabe bater legal uma pedra de responsa. Eu estou sempre na pontuação dela. E fico estiloso quando ela dança comigo.
-Negão, você é invocado mesmo. Está querendo ficar no pano para dançar com a menina.
-Viu Francisco. Eu vou lá. Mais o irmão dela não pode está queimando a música. Fico chateado quando isso acontece, deixa rolar, né?
-Verdade. Ele gosta de carimbar até parece um boqueirão, uma verdadeira tesoura.
-Sabe... A minha maior vontade é fazer umas batidas na boate Pantera Negra numa sexta-feira. Se a condição me ajudasse, eu iria lá mostrar como se dança uma pedra de responsa. Eu iria deixar toda a nação regueira no salão com ciúmes. Ah Ah Ah.
-Você bate bem quando toca uma pedra do passado. Então, eu te vejo lá, meu amigo.
Sem demora, o amigo partiu. Passaram-se alguns meses, os dias foram transferidos com o nascer do sol e mudanças radicais. E traduzindo novos destinos com a queda diária das amêndoas de babaçu no mercado. E neste dia, ainda sem tomar café, Nego Baba estava quebrando as amêndoas quando Francisco se aproximou do amigo, e disse:
- Você está sabendo que o valor do quilo do cocô babaçu baixou?
-Não. Eu não estou sabendo. Me conta?
-O senhor Raimundo, dono do comércio na cidade de Cururupu, onde eu vendo o cocô babaçu e azeite. Ele falou que chegaram três navios no Rio de Janeiro vindo das Filipinas e Tailândia carregados de óleo vegetal para a Gessy Lever fazer shampoos e sabonetes. Eu fiquei chateado com isso. A Tailândia explora a mão de obra de macacos, uma tremenda crueldade. Os macacos sobem nas palmeiras e derrubam o cocô e ainda ajuda a quebrar. Ele disse que a Tailândia pertence aos países “Tigres Asiáticos” como o terceiro produtor internacional de óleo vegetal. E os macacos colhem e quebram o cocô. É uma exploração total vendendo o óleo bem baratinho e termina com a queda no Brasil em mais de 40%. E ninguém faz boicote. Senhor Raimundo disse que o primeiro produtor internacional de óleo babaçu, é o Estado do Maranhão com mais de 500 mulheres extrativista do cocô de babaçu. Mulheres sem renda, sem escola, sem maridos, sem casa, sem roupas, sem propriedade, apenas com a alma.
O menino Babaçu, diz:
-Senhor Raimundo sabe muito das coisas. Mas é triste tudo isso. Usar os macacos como mão de obra, é sacanagem. Por isso eles vem o óleo barato. O governo nem liga para isso, está interessado na venda ao comercio exterior. Por essa compra lá embaixo os preços das amêndoas vão cair. É uma grande injustiça. Eu e minha mãe, vamos sofrer muito com a queda de preço.
Francisco diz ao amigo:
-Nego Baba! Eu estou indo embora. Eu vou para Jamaica da Ilha do Amor.
-É isso mesmo? Fala-me a verdade?
-Sim. É verdade. A minha tia que mora no bairro da Alemanha, em São Luís, chamou a mãe para morar com ela. E eu vou também. Não fique triste, Neguinho Babaçu. De lá, eu vou mandar as minhas notícias para você. Eu também choro em deixar o meu maior amigo e minhas lembranças. Minha mãe já está velhinha e até hoje, ela não conseguiu se aposentar pelo governo Federal. Apesar de ser uma quebradeira de cocô, essa foi a sua única sorte, ter muitas palmeiras dadas pelo senhor Jesus de graça.
Calado, Nego Baba derramou as gotas incolores que medem o cordão de uma amizade, esfregando com a mão direita os olhos que não paravam de formar imensas lagoas. Inconformado com o despejo de lágrimas, Francisco abraça e diz:
-Nego! Eu nunca vou esquecer de você. Você é meu melhor amigo. Aonde eu estiver vou pensar em você como meu irmão. Aqui não dar para gente ser alguém. Somos humilhados por nossa cor. Nós não temos culpa de ter a pele nessa tonalidade. O coco babaçu está acabando e os ricos estão comprando todas as terras para plantar madeiras de eucalipto e criarem mares de plantações de soja. Ficar aqui é morrer de fome e não ter um centavo para comprar um remédio, tipo cibalena. Lá, eu vou estudar e trabalhar e curtir um reggae no final de semana. Prometo, que eu vou esquecer de você.
Ainda chorando pela surpreendente notícia, Nego Babaçu suspendeu a camisa rasgada e limpou a face molhada de lágrimas, e articulou:
-Tudo bem, eu compreendo tudo isso. A minha situação é mais difícil, e minha cor não dar liberdades, por onde eu ando, ouço muitas gozações e chacotas. Eu só quero lhe pedir uma coisa...
-Fale Nego. Não fique assim.
-Se você ver o Fause Beydoun da Tribo de Jah. Não se esqueça de perguntar a ele, se ele recebeu as minhas cartas que eu mandei para o Programa Rádio Reggae da Rádio Mirante? Por favor, eu lhe peço, faça isso. Ele nunca respondeu minhas cartas.
-Não vou esquecer. Ele nunca respondeu no ar do programa as suas cartas e nem mandou um alô para nossa galera de Cururupu. Se depender de mim, eu vou lhe ajudar a ser um grande DJ. Toma aí o endereço da minha tia em São Luís. Guarde em um lugar seguro, talvez, um dia você vai precisar. Adeus amigo! E saiba que vou levar no meu coração todas as nossas lembranças. Você é meu amigo.
-Francisco, eu vou me lembrar de você todos os dias, e quando eu ouvir as pedras. Eu vou sentir você aqui no peito, amigo. Podes crer! Não chore por favor!
A melancolia e a depressão se expandiram no meio da mata de cocais, e os dias foram se consumindo no menino do capoeirão de Cururupu. Bem como as letras do menino regueiro enviadas à Rádio Mirante 96,1, em São Luís no programa Rádio Reggae do Fause Beydoun (vocalista) da Tribo de Jah, nunca houve resposta.
Sabe-se que esta é a maior e única banda brasileira de reggae que teve origem na Escola de Cegos do Maranhão. E na mais interação dos destinos, os quatro integrantes que são cegos e um têm apenas uma visão parcial difundiu em todo o Maranhão o verdadeiro reggae com as baladas.
Carta enviada pelo Neguinho Babaçu ao vocalista Fause Beydoun
"Cururupu, 14 de novembro de 2005
Para o Programa Rádio Reggae Da Rádio Mirante,
Ao amigo Fause da Tribo de Jah
Como vai Fause? Esta é a terceira carta que envio. Eu sou morador do interior de Cururupu e todos os dias eu ouço o seu programa Rádio Reggae. Com a venda do coco, eu comprei um radinho de pilha. Somente assim, não perco um programa. Aqui sou o maior requeiro e as minas me admiram de montão, viu? Olha, eu sou um menino que trabalha quebrando coco para ajudar a minha mãe que ganha pouco. E também quebra coco para viver. Adoro suas melôs, pois, eu quero conhecer você e a Banda Tribo de Jah. Aqui em Cururupu só rola o seu reggae, e gosto também da batida Guerreiros Regueiros, é massa. Eu nunca fui à Ilha, mais conheço todas as pedras de responsa, radioleiros e radiolas como a Itamaraty e outras. Fause, suas músicas me dão força, paz e esclarece muitas verdades. Quando eu crescer, eu vou ser um DJ e gostaria que você me ajudasse, eu sou pobre, não posso comprar uma mesa de som. Quando eu montar a minha radiola na Ilha, vou colocar o nome de Upaon-Açu. Vou fazer a maior parede de som do Maranhão e no momento, eu não posso pagar, mais no futuro, eu posso tocar para você. Aqui termino, esperando você mandar um alô para mime toda a massa regueira de Cururupu. Não esqueça de falar Neguinho Babaçu ou Nego Baba. Também mande um alô para meu amigo Francisco, Gina, Júlia e Patrícia, eles estão na sua escuta. Até mais, Assina Nego Baba”
As folhas das auroras edificaram novos horizontes, guardando as lembranças nos cofres dos ouvidos da sabedoria dos tempos com maestria. O menino já contando com dezesseis anos, um certo dia, acordou a mãe com o barulho de dois tratores que invadiam o pequeno casebre de palha e paredes de barro.
Apressados, ouviram naquela maldosa e mal-intencionada manhã, a ordem judicial expedida pelo juízo da primeira vara da comarca de Cururupu estava nas mãos do Oficial de Justiça, acompanhados de quarenta policiais fortemente armados para abandonarem o local. Dois tratores de esteiras de marca caterpillar D8, empunhavam um correntão, derrubando a pequena casa de palha e demais pés de frutas atrás da casa.
Neguinho Babaçu, abraça a sua mãe, suplicando:
-Mãe, não chore pelo sangue de Nosso Senhor, o nosso salvador.
A mulher lastimando em prantos, diz: -Minha casa e os meus pés de frutas sendo arrastada por essas máquinas, doem dentro do meu coração. Um monte de policiais me tratando como bandida, uma fora da lei. Meu filho eu não aguento tudo isso. Essa demolição cruel mancha minha alma.
- Mãe, ninguém é por nós para mandar suspender essa ordem. Eu nunca soube dessa Ação de Desapropriação contra a senhora. Esse homem nunca veio aqui citar a senhora.
Esclarecendo o Oficial de Justiça diz que um grande fazendeiro da cidade de Balsas havia comprado as terras, bem como entrou na justiça para requerer a demolição e investidura do novo proprietário nas terras. Aduz o Oficial de Justiça que a citação dos posseiros havia sido publicada por edital no jornal do Maranhão e o processo foi julgado como revéis, os posseiros. E que a sentença terá de ser cumprida de um jeito ou de outra. Dona Maria José, derrando lágrimas, afirma:
-Senhor Oficial de Justiça, você nunca veio na minha casa e nunca me citou dessa ação de desapropriação. Você diz que publicou no jornal. Nós do interior de Cururupu, nunca recebemos jornais ou qualquer meio de notícia. Isso tudo é tramoia e falcatrua de vocês.
Neguinho Babaçu, grita aos dois operadores de máquinas para não demolir a sua casa.
-Por favor, seus tratoristas! Não deixem minha mãe sem teto para dormir. Onde vamos dormir esta noite? Parem com a demolição ingrata! Vocês estão fazendo minha mãe sofrer. Por favor não liguem essas máquinas. Nossa casa é a única morada onde temos dignidade. Mãe, eu não entendo porque a vida é tão dura para nós, tão difícil em resolver as coisas. Não chore mamãe.
Aos prantos, o menino abraçou a mãe, juntou apenas uma mala com as únicas peças de roupas, e saíram marcando o solo cruel e fedorento da ganância dos que se enriquecem com as podridões da Justiça terrena. E edificam as incorporações dos investimentos que rendem mais dinheiro do que agasalhar o trapo nojento da sociedade – NEGRO. Assim, entendem e retalha a liberdade dessa cor que a coletividade universal traduz na mais bestial classificação de direitos, onde o ar que exala no corpo humano jamais dividiu os homens.
A miúda família desgastada rompe os trilhos dos passos céleres à cidade nova, à vida adolescente embriagada pela fatalidade que cruza e mastiga as horas com o tempo. Encontrando no meio do caminho na direção do município de Cururupu, uma senhora abre o leito vermelho da bondade que bate no peito, levando a mulher idosa e o menino negro para morar em sua casa.
Os dias passam, e o menino conversa com a mãe, dizendo:
-Mãe! Eu tenho que viajar para São Luís do Maranhão, e trazer dinheiro para senhora. Eu não sei o que a senhora vai fazer. Mas, a senhora só sabe mesmo é quebrar cocô babaçu. Aqui na cidade não tem palmeira e muito menos emprego. Tudo que se compra é com dinheiro, e sem ele não dá para gente viver. Nunca sentimos tanta pobreza e destruição em nossas vidas. Eu tenho que trabalhar, e vou para onde o Francisco. Assim que chegar, eu vou trabalhar trazendo dinheiro.
-Que Deus te ouça, meu filho. Seja sempre obediente. Não beba e não fume e não se perca na vida que se apresenta. Fuja das más amizades que Deus abrirá sempre uma porta para você.
-Mãe! Eu não vou chorar. Mais aqui dentro jorra um poço cheio de lágrimas. E o meu amor é tudo o que tenho dentro de você. Tudo eu farei pela senhora. Estando na Ilha, será mais fácil eu falar com o Fause da Tribo. E tenho certeza que ele vai me ajudar. Eu sonho muito com isso. Eu vou para o Cujupe e do porto de Cujupe eu pego um ferry boat até a baía de São Marcos na Ilha do amor. Não chore mãe, me aguarde apenas.
-Deus te ouça! E realize seus desejos e faça de ti um homem de bem.
-Bênção mãe! Não chore, mãe, assim, eu vou chorar também.
-Deus te faça Feliz!
Chegando na Capital do Reggae, o menino chegou ao bairro da Alemanha, encontrando-se com o grande amigo de sua vida – Francisco, o qual fez grande recepção com uma pedra de responsa da Tribo de Jah – Regueiros Guerreiros. E diz ao amigo:
-Agora, você vai trabalhar comigo. Vai ser legal. Olha! Eu sou flanelinha no centro e sindicalizado. Atualmente, eu faturo uma grana boa por dia. E ainda pertenço ao Sindicato dos Guardadores e Lavadores Autônomo de Veículos Automotores de São Luís. No final de semana vamos curtir aquele Reggae na Itamaraty.
-Poxa! Você não mudou mesmo. É o mesmo Francisco. Amigo, eles meteram dois tratores com correntes, derrubando nossa casa e jogando fora nossas camas. Tudo se acabou, eu não sei como acontece isso.
Sem demora, já contando mais de dois meses, Neguinho Babaçu já havia realizado oito viagens à Cururupu, levando dinheiro à mãe. Na manhã de segunda-feira, enquanto Nego Baba lavava um carro e ouvia um som de reggae. O amigo Francisco grita:
-Nego Baba! Nego Baba! Veja. É o Fause da Tribo de Jah. Ele vai passar aqui pertinho de nós.
-Sim. Meu Deus! Não pode ser! É ele mesmo!
Em um passo de mágica, Nego Baba grita:
-Fause, sou eu. Neguinho Babaçu. Ei Fause, por favor, sou eu, Neguinho Babaçu!
Uma multidão cercava o vocalista da Banda Tribo de Jah, acompanhado do tecladista Frazão, José Orlando – vocalista e percussão, Aquiles Rabelo e João Rodrigues – Bateria, e novamente, o menino grita:
-Ei Fause! Sou eu, Neguinho Babaçu.
Ali, por cima, o astro do reggae e demais participantes da Banda, olharam ao fundo da multidão o grito do menino de Cururupu. Naquele momento, Fause abriu com os braços entre a multidão e foi abraçar o garoto que havia enviado várias cartas quando mantinha no passado um programa de Rádio Reggae na Rádio Mirante.
-Fause, não era você que fazia o Rádio Reggae? Você ainda se lembra de mim? Eu sou o Nego Baba de Cururupu, Neguinho Babaçu.
Abraçado com o garoto, Fause disse, sorrindo:
-Claro que eu me lembro. Eu não mandei o seu alô no ar, pois o meu programa era gravado. Li e guardei todas as suas cartas que me comoveram muito. Os nossos compromissos com shows e viagens nos têm afastado da Ilha, apesar de que estamos fazendo shows internacionais e o tempo é pequeno. Vou deixar o meu telefone e o endereço pessoal, procure de imediato a minha assessoria. É um compromisso meu e da Tribo de Jah em realizar o seu sonho. Não se preocupe que vou fazer o que me pediu. É uma honra poder lhe encontrar aqui na Capital do Reggae.
Sorrindo, Neguinho Babaçu ficou contente com tudo que acontecia e o amigo Francisco confirmou o que já havia dito antes.
Numa certa madrugada, os dois vindos da noite regueira, foram surpreendidos com uma viatura policial que parou à frente, policiais armados atiraram nos dois, tendo Chico apressados os passos e curvado o corpo ao lado de uma árvore, para não ser atingido pelos disparos, fugindo. Distante, Francisco lagrimando pelo único amigo, observava a crueldade em que os policiais o encostavam à parede.
Um policial indaga com a arma apontada:
-Fala negro safado! De onde você vem? Onde estão as paradas? Filho de uma puta!
-Moço, eu não sei de nada. Eu venho de uma festa de reggae aqui no bairro João Paulo. Eu sou inocente.
-Porra! Você está mentindo. Fale a verdade. Onde você jogou o cigarro da muamba? Onde está as anotações e a balança? Me fala logo. Negro bandido esse cheiro forte de droga vem de onde?
Empunhando a arma na cabeça, recebe um chute na região pélvica.
-Moço, eu não fumo e nem bebo, não sei de nada, sou inocente. Eu não fiz nada. Pelo amor de Deus! Me deixe ir embora.
-O inocente está nos céus. Vamos negro! Conta a verdade. Todo regueiro é bandido, malandro, vagabundo e fuma maconha. Então, não vai me contar nada, né preto?
Empunhando um enorme chute no meio das pernas, e caindo com dores e gemendo alto, um dos policiais, desferiu uma coronhada na cabeça de Nego Baba, explodindo o sangue inocente da alma que rebatia na longitude dos sonhos em que a vida, às vezes é uma desgraceira. E o poder é a podridão dos poderes organizados titulados com fé. Logo, os algozes pegaram o corpo do sonhador e levaram para o outro universo desconhecido, com três tiros na cabeça de Neguinho Babaçu. Jogado em uma vala da rua da Ilha do Amor, onde as manchetes não escrevem e os jornalistas ficam cegos. Ali, a alma imaculada dormia entre o esgoto profundo da vida do menino sonhador.
Naquela manhã, Francisco não consegue mais andar, ali adormece com a marca de tiro na perna esquerda. Após algumas semanas, Francisco procura a assessoria da Tribo de Jah e relata o acontecido sobre ele e o amigo Neguinho Babaçu. Após um show da Tribo de Jah em Cabo Verde, na África, Fause Beydoun tomou conhecimento através da assessoria, e passou várias horas lagrimando. Como presente eternizado, Fause Beydoun compôs a melodia Neguinho Babaçu.
Letra: Neguinho Babaçu
E que se confunde com a própria história do reggae no Maranhão Um dia, um menino mandou uma cartinha muito interessante Para o programa Rádio reggae, da rádio Mirante Garoto muito inteligente, cartinha super bacana Dizia que não perdia um só programa Vivia com a mãe que ganhava muito pouco Porque morava no interior e era quebradeira de coco Em algum lugar da baixada perto de Cururupu Por isso pessoal lhe chamava de Neguinho Babaçu Dizia que conhecia as pedras e os nomes dos cantores de projeção As feras do reggae e as melhores radiolas do Maranhão Queria uma oportunidade, o seu sonho era ser DJ na Ilha Apesar da sua idade, já tinha um radinho de pilha Pediu que lançasse um melô com seu nome, melô do Neguinho Babaçu E que se tivesse uma radiola se chamaria sonzão Upaon-Açu Homenagem à Ilha regueira, capital do reggae na Jamaica brasileira
Nego baba, nego Neguinho babaçu Queria ser DJ na Ilha de Upaon-Açu
Sonho de um menino do interior De seguir seu destino, ter o seu valor Sonho de um menino que se revelou Por força do destino, cedo se transformou Um bom tempo se passou e um certo dia Andando pelas ruas do centro, não me lembro bem aonde ia Um rapaz me parou e perguntou se era eu que fazia O programa Rádio Reggae que ele sempre curtia Queria que mandasse um alô Pra ele e toda a moçada ali do setor Disse que ouvia o programa desde menino E que uma vez enviou uma carta em meu destino Mas tinha vindo trabalhar na capital Porque sua mãe tava muito mal E como não tinha emprego certo Tava dando um trampo ali por perto Lavando carros e levando uns trocados quando dava E que ali era conhecido como Nego Baba
Nego baba, nego Neguinho babaçu Queria ser DJ na Ilha de Upaon-Açu
Mas depois de algum tempo, estranhamente, ninguém mais viu Neguinho Babaçu Um amigo seu dizia que ele cogitava muito em ir para o sul E que talvez tivesse ido porque realmente tava sumido Sempre foi um cara tranquilo, gente fina demais Um rapaz de princípios, um cara capaz Tinha o maior cartaz com as gatinhas Grande admiração, pela presença que tinha E de como sabia dançar um reggae no salão Mas soube-se que um dia ele voltava de um som e quando vinha numa boa Não sei se no bairro do João Paulo ou ali pela Jordoa Foi abordado por quatro elementos armados Que desceram de um carro ao seu lado Seu colega, pressentindo o perigo, saiu voando Mas ainda viu de longe que ele tava sendo interrogado Perguntaram de onde ele tinha saído E diziam que era regueiro e que todo regueiro era bandido Levou umas porradas, queriam para ele abrir o jogo Entregar logo a parada, não se fazer de bobo Mas ele não sabia de nada Disse que tava sendo confundido Aí levou uma coronhada E embarcaram ele no carro Rumo ao desconhecido
Nego Baba, nego Neguinho babaçu Queria ser DJ na Ilha De Upaon-Açu Nego Baba. Nego Neguinho Babaçu Será que se Perdeu na Ilha Ou se mandou pro sul
Sonho de um menino do interior De seguir seu destino, ter o seu valor Sonho de um menino Que se transformou Por força do destino Não se realizou".
ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 02/08/2024
Alterado em 03/08/2024 Copyright © 2024. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |