ERASMO SHALLKYTTON

O POETA É O SENHOR DE TODAS AS EXALTAÇÕES HUMANAS

Textos


Edson Gomes e o jovem Zé do Shopping

 

Em determinada manhã, aproximadamente 07:00 horas. Um jovem camelô ia empurrando seu carrinho pela Rua Miguel Calmon, Salvador – Bahia. Com o carrinho cheio de mercadorias, ele precisa chegar rápido no shopping dos camelôs. Muitas pessoas se aproveitaram para fazer algumas compras naquele momento com Zé do Shopping, como era conhecido. Após fazer várias vendas e seguir empurrando o carro de mercadorias, uma Toyota da polícia militar, deu ordem de parada ao jovem rapaz que logo encostou o carrinho no acostamento da Rua Miguel Calmon. Desceram do veículo 04 (quatro) guardas municipais e 06 (seis) policiais militares. Um dos policiais deu voz de prisão em flagrante no rapaz, dando-lhe um chute nas pernas.

 

-Abre as pernas filho de uma puta. Cadê a identidade, porra? Não olhe para mim. Onde estão os papelotes da maconha?

 

Zé do Shopping, ainda disse:

 

-Moço, eu sou trabalhador, sou camelô do mercado informal e tenho crachá e documentos aqui. Eu não vendo e nem uso drogas.

 

O outro policial, falou bem alto:

 

-Desliga essa porra de rádio, seu merda.

 

Um policial que estava observando tudo, articulou;

 

-Coloca as alianças nele para não fugir, coloquem o carrinho na picape e dispensa esse monte de gente.

 

Um rapaz que conhece Zé do Shopping, se aproxima e indaga.

 

-Meu irmão o que você fez para estar algemado? Você é trabalhador, não é bandido.

 

Zé do Shopping responde:

 

-Eu não fiz nada. Faça-me um favor? Pegue no meu bolso um dinheiro e compre os remédios da Maria. Ela está precisando urgente. E não fale nada porque ela fez cirurgia do coração ontem.

 

O amigo retirou do bolso quinhentos reais e partiu rápido ao hospital.

 

O outro policial com muito nervosismo diz:

 

-Como é o seu nome desgraça. Diz logo porra. Todo regueiro é bandido. Tanto é bandido que mandou o outro pegar a grana e voar.

 

Zé observando o carrinho indo para a picape, observa triste.

 

Sem demora, o policial João fala para o soldado Romualdo.

 

-Romualdo, pega a toalha no gelo dentro do carro, que eu vou pedir para ele dar a bênção para São Barnabé. E dispensa ele para ir para a sua casa numa boa.

 

O policial pega a toalha e o sargento João diz para o Zé do Shopping olhar diretamente para os seus olhos. Em poucos instantes, o soldado Romualdo dar um grande murro nas costas de Zé do Shopping. A dor e a falta de ar ecoam no mais ardil corpo franzino, caindo no chão sem dizer nada, comprometendo as costelas e o músculo torácico.

 

Romualdo argumenta.

 

-Minha vontade é quebrar a cara desse negro vagabundo.

 

Com uma coronhada do fuzil no olho direito, o sangue respinga. E o soldado Romualdo diz:

 

-Esse vagabundo está morto, chame logo o SAMU e vamos dar o fora daqui. O que vocês querem olhando. Nunca viu polícia!

 

De imediato, Romualdo chamou o Sargento João e indagou:

 

-E aí sargento? Encontrou alguma coisa na vida pregressa desse bandido?

 

O sargento respondeu:

 

-Não tem nada. Ele trabalha no shopping da cidade.

 

-Quando levarmos ele para a ambulância, coloque uns três papelotes de pó e 4 de Maria Joana no bolso dele com as impressões digitais.

 

Uma senhora chamada dona Angélica que tudo assistia, disse:

 

-Eu estou com o rádio de pilha com a música Camelô do nosso regueiro Edson Gomes.  Eu vi tudo. Vocês não são policiais. Vocês são assassinos de um jovem negro, trabalhador e camelô.  Assassinos! Cadê a televisão que não diz nada? Nada disso vai ficar assim.

 

Um policial fala com a senhora:

 

-É melhor a vovó ir para casa. Não se envolva com a polícia. A senhora é vovó e nada mais. Polícia é polícia, e temos fuzis.

 

De imediato, o sargento João enviou o corpo do Zé do Shopping para o hospital e fez um BO na delegacia informando que foi encontrado no bolso maconha e cocaína. Chegando na ambulância, o amigo de Zé do Shopping ia saindo do hospital e viu os paramédicos retirando o corpo, e falou bem alto com irresignação.

 

-Foi a polícia que matou o negro trabalhador e ainda plantou nos seus bolsos maconha e cocaína. Minha gente ele é inocente. Eu conheço o Zé desde criança, lá de Cachoeira. Ele é camelô, tem a sua guia de comerciante informal. Meu povo, eu estava com ele e ele me disse que não fez nada, levando o seu carro de mercadoria. E o apurado, ele mandou eu comprar remédio para a sua esposa que se operou ontem do coração. Isso é um azar mesmo. Não tenho um amigo grande, meu único amigo é Deus.

 

Em poucos instantes, chegou no local, Dona Angélica com o rádio de pilha do Zé do Shopping, e a televisão tudo assistia e gravava para o noticiário.

 

-Minha gente, eu estou enojada dessa polícia. Eu nunca pensei que tudo terminaria no hospital. Eu vi tudo e estou pronta para testemunhar contra a polícia. Zé não merecia ter a sua mercadoria sequestrada somente porque usou a Rua Miguel Calmon para ir ao emprego, onde o mesmo tem uma grande sala no shopping dos camelôs. Sua mulher, a Maria está operada neste hospital. A polícia deu um murro nas costas e uma coronhada no olho do Zé. Isso é covardia demais. Ele saiu de lá morto na ambulância. Eu estou com o rádio de pilha do Zé. E vou colocar a música que ele curte demais – Camelô do Edson Gomes, seu conterrâneo.

 

A repórter indaga:

 

-Mas o Zé do Shopping é conterrâneo do Edson Gomes?

 

A Sra. Angélica informa:

 

-É conterrâneo sim. Zé do Shopping nasceu em Cachoeira na mesma cidade em que nasceu Edson Gomes. Ele adora muito as músicas do seu conterrâneo Edson Gomes, baiano indo e voltando. Apenas eu sei que Zé do Shopping está morando em Salvador há quase três anos. Quero aproveitar o momento e mandar um recado para o Edson Gomes.

 

A repórter respondeu:

 

-Sim. Você pode mandar o seu recado para o nosso maior regueiro e baiano Edson Gomes.

 

Dona Angélica, nervosa envia seu recado ao cantor Edson Gomes:

 

-Bom dia, meu querido cantor regueiro Edson Gomes. Em primeiro lugar lhe desejar Parabéns pelo seu aniversário no dia três de julho de 2024, que Deus lhe dê muita saúde, paz e sucesso. O assunto aqui, se trata do seu conterrâneo Zé do Shopping que se encontra com duas costelas quebradas, tórax e ferimento no olho por ser camelô e foi preso por usar o carrinho de mercadoria pelo Rua Miguel Calmon. Ele não cometeu nenhum ato ilícito e sua mercadoria e carrinho foi sequestrado com ele algemado. Apesar de ter apanhado da polícia e levado de ambulância para o hospital quase sem vida, a junta médica reanimou e submeteu a várias cirurgias. Sua esposa estar operada do coração no mesmo hospital. Meu caro Edson Gomes, gostaria que pedisse aos seus advogados que fizessem um Habeas Corpus para o Zé do Shopping. Ele não pode ficar preso quando sair do hospital, afinal de contas, ele não fez nada e não cometeu nenhum ato criminoso. Zé do Shopping precisa entrar com uma ação de indenização contra o Estado. Eu não posso fazer nada, sou muito pobre, trabalhando nas cozinhas alheias. Aqui despeço, enviando um forte abraço ao baiano Edson Gomes.

 

Após alguns dias, a equipe jurídica do cantor Edson Gomes impetrou um Habeas Corpus em favor do cachoeirense Zé do Shopping em face do juízo competente para julgar os atos praticados pela autoridade coatora e uma ação indenizatória contra o Estado.

Com o Alvará de Soltura em mãos, compareceu naquele hospital público, o renomado e cantor requeiro Edson Gomes juntamente com a esposa do camelô Zé do Shopping, tendo a assessoria comprado uma casa para o casal como surpresa.

 

 

Camelô

 

Edson Gomes

 

Sou camelô, sou do mercado informal
Com minha guia, sou profissional
Sou bom rapaz, só não tenho tradição
Em contrapartida, sou de boa família

Olha, doutor, podemos rever a situação
Pare a polícia, ela não é a solução, não

Não sou ninguém, nem tenho pra quem apelar
Só tenho o meu bem que também não é ninguém

Quando a polícia cai em cima de mim
Até parece que sou fera
Quando a polícia cai em cima de mim
Até parece que sou fera
Até parece, até parece
Até parece, até parece
Até parece, até parece

Sou camelô, sou do mercado informal
Com minha guia, sou profissional
Sou bom rapaz, só não tenho tradição
Em contrapartida, sou de boa família

Olha, doutor, podemos rever a situação
Pare a polícia, ela não é a solução, não

Não sou ninguém, nem tenho pra quem apelar
Só tenho o meu bem que também não é ninguém

Quando a polícia cai em cima de mim
Até parece que sou fera
Quando a polícia cai em cima de mim
Até parece que sou fera
Até parece, até parece
Até parece, até parece
Até parece, até parece

 

Composição: Edson Gomes / Zé Paulo Oliveira.

 

 

 

 

ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 04/11/2024
Alterado em 08/11/2024
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