![]() Bumba Meu boi Guanaré
Em meados do século XVII, Caxias foi fundada pelos franceses, E somente no século XVIII, Caxias foi reconhecida pelos portugueses. Ressalta-se que os índios que habitavam Caxias, eram os índios conhecidos como Guanaré. Antigamente, havia um agregado muito grande de tribos indígenas nas beiras do Rio Itapecuru, tais como Timbiras e Gamelas. Com o grande entrosamento dos franceses no Maranhão, os índios de Caxias tiveram muita amizade com os franceses, resultando em um grande cordão de fraternidade entre ambos.
Após a expulsão dos franceses do Maranhão pelos portugueses no século XVIII, as tribos indígenas não obtiveram êxitos com os portugueses, especialmente no Maranhão onde os portugueses não tiveram acesso para adentrar no interior do Estado. Sabe-se que a cidade de Caxias, ganhou o referido nome em homenagem a Caxias de Portugal, uma cidade no litoral do Estado português.
Sabe-se que a tribo que viviam nos beirais do Rio Itapecurú, conhecida pelos franceses e portugueses como Guanaré, foram os únicos habitantes de Caxias. Havia tribos na região da Trezidela, Morro do Sanharó, Sambaíba, Remansinho e outros lugares. Notadamente, ainda existe o caminho indígena por onde passou o pai de Gonçalves Dias e sua mãe cuja gestação estava próxima. E com destino a uma fazenda chamada de Pau Ferro em Aldeias Altas. Neste mesmo local, Antonio Gonçalves Dias atravessou várias vezes esse trajeto, pois era o único que dava acesso à Aldeias Altas.
Próximo ao lugar Remansinho ou Remansin como fala alguns moradores do local, existia uma aldeia com mais de 900 (novecentos) índios que dava acesso ao Riacho dos Cocos e desembocando no Rio Itapecurú.
Naquele dia, um pouco escurecido e com bastante nevoeiro, dirige-se à sua casa próximo do curral. E ao ver sua amada mulher, Cirerê faz um poema cuja mulher se encontrava no oitavo mês de gestação.
Ele diz com um riso nos lábios :
-Minha luz, vou recitar um poema para você;
Adoro a sua mão passando em mim, E sonho nesta escalada pensado ser Jasmim. Nada me incomoda gostar de você A sua pureza me emociona Me faz um menino querido E muito apaixonado e garrido Com este poema feito para você, assim:
Você é a mais bela mulher dessa senzala Menina bela do Congo, é uma cinderela Me enche de mil carinhos e faz aconchegos Com alegria, sorrisos para mim Sou apenas um escravo vendido na Costa Leste Africana Negro da pele da escuridão, amo essa nega do coração.
Tu é a coisa mais bela Que nasceu famosa Afamada na minha mente Tão doce e mais do que doce Molhando o meu coração nesta jornada E faz desse negro sua cela Com toda aquarela Eu não te falo nada Porque você é minha amada.
A mulher de Cirerê diz:
Eu quero apenas tua palavra Que mate todo o meu desejo.
Cirerê responde, dizendo:
Eu completo o teu desejo Basta você me falar, Eu cumprirei com prazer Porque este menino vai querer.
Ela, sorrindo, diz:
Meu desejo é comer a língua daquele boi.
Ele diz:
Será o maior prazer, Matar o desejo da minha mulher, No puro oito meses de bebê. Eu juro que Deus vai me enobrecer.
Ela sorrindo diz:
Eu quero aquele boi que vai entrar agora O boi da cabeça branca na testa De cor branca da cor das nuvens no céu
Cirerê, diz:
Eu faço isso agora, Ao conforto do meu bem.
Cirerê entrou no curral, e não observou que havia um pistoleiro olhando o gado. Ele pegou o machado e esperou o boi bonito entrar no curral. Ao entrar no curral o animal observou o negro. Sem demora, Cirerê deu-lhe uma machada na cabeça, que caiu o boi ao seu lado, e rapidamente Cirerê retirou uma faca amolada da calça, abrindo a boca do animal, cortou a língua, e foi entregar a esposa.
O pistoleiro que tudo assistia disse:
- Negão! Negão Cirerê! É a vaca do patrão. Você matou a vaca que o patrão mais gosta e ama na fazenda.
Cirerê nem deu ouvidos à conversa do capanga. E saiu correndo com a língua na mão para dar à mulher. Ao chegar na residência, ele entrega e diz:
-Meu amor é tão grande que lhe entrego às pressas o seu desejo.
Ela aflita diz:
Você é muito corajoso. Muito cabra macho. Matou a vaca do nosso patrão para matar meu desejo.
Em poucos instantes, o capanga se encontra na casa do seu Senhor. E diz:
-Senhor, o negro Cirerê matou o boi Guanaré e tirou a língua. É bom o senhor conferir isso.
-Vamos lá agora. Será que ele está doido?
Ao entrarem pelo colchete, eles avistaram o animal morto. E o Senhor disse:
Música do boi do Piauí
-Cirerê matou a minha vaca, o que será de mim?
Chorando muito,
O Senhor disse:
-Reúna todos os homens e prenda Cirerê. Eu quero ele preso na cadeia pública. Agora.
A esposa de Cirerê que estava na janela tudo assistiu e disse para o esposo.
-Vá se esconder bem longe. E saia pela cozinha, os homens estão se espalhando por todos os lugares para pender.
O Senhor viu a senhora na janela e disse meio zangado e cheio de ódio.
-Saia da minha casa sua nega imprestável. Saia agora. Agora!
Ao ser expulsa de casa, ela se dirigiu para a casa de uma amiga vizinha. Onde a mesma disse:
- Eu não posso te aceitar aqui, mulher de um criminoso. Vá para outra casa.
Sem dizer nada, a mulher de Cirerê sai triste e com lágrimas caindo no rosto, e as mãos segurando a barriga grande da gestação.
A caçada é grande, tendo a polícia pego em mãos Cirerê que não reagiu. Estando preso, levaram para a cadeia pública, e dormindo no chão, naquela manhã, Cirerê é levado por uma guarnição de polícia para o pelourinho em frente à Igreja São José e Nossa Senhora da Conceição. Amarrado ao pelourinho, suas mãos suspensas e seguras por cordas, Cirerê pede a São José e Nossa Senhora que ajude a libertá-lo, porém, o pelotão começa a dar chibatadas cujo chicote possui ossos e aço nas pontas. Após levar 20 chibatadas no corpo, onde o sangue molhava todo o chão, uma lagoa se formava em sua volta. Abandonado e sem nada comer, apenas se via de branco os dentes do negro martirizado.
Durante a noite, no meio da mata, o pajé da tribo Gamela se dirigia com suas índias e demais negros para a mata virgem juntamente com as meninas da tribo Guanaré. Ao toque dos tambores e cantoria, o sotaque percorria longas distâncias, uma ventania assoprava com força naquele local.
O pajé cantava o seguinte:
Acorda meu boi, Acorda. Isso não é mais hora de dormir. Esteja onde estiver, Pajé te chama para almoçar, Acorda meu boi, Acorda. Deus fez meu boi Guanaré Dançar na festa e rezar Isso não é mais hora de dormir. Cirerê não teve culpa, O culpado ainda vai nascer. Vem para casa meu boi Guanaré, O dono te espera na sala para escutar. Vem meu boi bonito Vem, vem salvar Cirerê E o Bebê que ainda vai nascer. Acorda meu boi Guanaré, Acorda. Vem ver o teu Senhor aqui passar Todos querem ver você. Vem meu boi Guanaré, Traga o seu amigo e único irmão Ele deve está preso por ter matado o boi do patrão. Vem Boi Guanaré, Ajude o negro da casa a ressuscitar, E que Deus abençoe o filho que hoje vai nascer.
Avante boi Guanaré, Levante poeira e traga para esta fazenda O negro querido Cirerê.
Não deixe Cirerê morrer Abandonado e tão jovem Traga para sua casa o negro da fazenda.
Não demorou muito, o boi muito bonito, rasgou as matas da cidade do sertão. Muito enfurecido, urrando em várias direções e depois de várias horas, se aproximando do Senhor, proprietário da fazenda. Sem demora, o boi ressuscitado, beijou todo o corpo do fazendeiro, fazendo o mesmo feliz com o seu Senhor. Diante a sua aparição, o Senhor levou o boi para o seu curral, e ao se aproximar da casa do fazendeiro, o boi saiu desvairado pela estrada, entrando nas matas. E o Senhor gritando o seu nome sem qualquer prestígio, observou que não tinha jeito. Sem delongas, o boi Guanaré alcança as matas da cidade de Caxias.
Sem a presença do boi Guanaré ressuscitado, o pajé e demais entidades presentes rezam uma missa para o boi:
Abençoado é o meu boi Guanaré Que São João nos deu para alegrar, Faz uma fogueira grande Com muitos paus nessa mata virgem Que o boi Guanaré vem cantar Abençoo a madrinha do boi A Nega Tica do Boi Senhora boazinha e toda feliz Abençoo o padrinho do boi Guanaré O senhor Pelujo dos Timbiras Que veio nestas horas rezar pelo boi perdido Bem-aventurado é o boi Guanaré Que renasce mais uma vez Esteja ele aonde estiver Grande é o poder de Deus Que tudo fez para o homem Eu renasci entre as matas virgens Do meu sertão da princesa Por isso eu sou o Boi Guanaré.
Já passava das sete horas, quando um pelotão se aproxima do pelourinho no centro da cidade, e um deles inicia a bater em Cirerê. Ele pedia em nome de Deus e Santos para não baterem nele. As súplicas não tinham nenhuma valia perante seus acusadores.
Um soldado disse:
-Eu vou bater agora, negro safado, piolho de cobra. Com apenas uma lapada tu dormes que nem uma vaca. O soldado preparou o chicote e deu uma única chicotada em Cirerê, que o sangue do seu corpo caiu longe, assim como pedaços de carne. Cirerê baixou a cabeça como se estivesse morto, desmaiando em seguida e sem forças.
Um boi entra na cena brutal, expulsando os povos, políticos e policiais que tudo assistiam naquela manhã infernal. Com muita valentia e chifradas, o boi avança velozmente no pelourinho da Igreja São José localizada no centro de Caxias. Momento em que quebra com a boca as cordas que seguram Cirerê. O animal urra várias vezes e coloca Cirerê deitado em seu lombo e sai, rumando nas matas da cidade. Cirerê deitado no lombo do animal, nada diz, continuando a dormir com o corpo todo ferido, e o sangue escorrendo no corpo do boi. Sem compreender nada, o animal entra no riacho São José, lavando o corpo de Cirerê. Ao ouvir isso, leva Cirerê até a casa do Senhor e aguarda os capangas do Senhor retirar o corpo do lombo, levando em seguida para a casa vazia.
Momento em que o Senhor diz:
-Meu Deus! Seu corpo todo ferido e ensanguentado com ferimentos enormes. Eu não pedi isso. É uma covardia o que fizeram com o negro. É muito desumano todos esses atos. O delegado nunca me falou que prendeu Cirerê. Ou que mantinha ele guardado.
-Eu não dei nenhuma ordem para espancar meu empregado. Agora me vejo em uma situação difícil. Chame os homens.
Quando os homens chegaram, Senhor disse:
-Quem deu ordens para espancar e chicotear Cirerê? Vamos salvar Cirerê?
Os homens ficaram mudos e em total silêncio, enquanto a mulher de Cirerê dizia em alta voz.
-Tudo isso porque ele é preto, negro não tem valor. Único valor que tem é a sua mulher negra e o filho que ainda não nasceu. Jesus Cristo é por nós. Deus haverá de agradar os negros, dando a sua liberdade e boa ação.
O Senhor diz:
-Eu não autorizei nada disso. Fique em sua casa e cuide do deu esposo. Vou dar 30 das de férias para ele e vou assinar sua carteira de trabalho.
O boi que havia ressuscitado ficou em seu curral.
E assim, Cirerê ficou em sua casa com a esposa e o boi Guanaré no curral.
Uma índia muito bonita cantou para eles: Com penas na cabeça e o corpo todo enfeitado, ela cantava ao brilho dos tambores. No gingado ouvia-se o berro do boi, o choro do menino, a nega do Cirerê. Não demorou muito, Cirerê dançou no meio da festa, o gingado do boi Guanaré.
Oh São Marçal, eu te venero Tu que destes o peixe e os pães a Jesus Alimentando mais de cinco mil homens Realizando nas mãos do Senhor o milagre Este boi é nosso irmão Valei-me São João e São Pedro! Não machuquem meu coração Quero criar esta criança Que é filho do negro Cirerê
E da rainha Maistela Dendê Façam-me crer para ver Os três unidos antes de acontecer Aqui é uma fazenda de negros Todos creem em suas orações O boi Guanaré nasceu de novo Com o desejo de salvar O menino que ia nascer E o pai preso no pau da cidade Sem a língua do boi Chorou e derramou sangue para danar Salve salve o Senhor dono do boi Guanaré Ilustrado nesta fazenda É o boi Guanaré. Presente os negros de Aldeias Altas e Codó Fazendo uma grande festa só Todos com enfeites para agradar São João, São Pedro e São Marçal Na entrada da festa anual.
ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 10/06/2025
Alterado em 18/06/2025 Copyright © 2025. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. Comentários
|